A benção de São Francisco de Assis
Ao deixar a redação do jornal, resolvi caminhar até a estação férrea de São Lourenço, a fim de quem sabe, encontrar subsídios às crônicas, ”Na Fumaça do Trem”, independente de curtir o bucólico e agradável logradouro, cujas recordações e lembranças sempre fluem da memória a trazer momentos que marcaram minha infância e puberdade, independente da paz interior que nos absorve. Já à plataforma da estação sentei-me num dos bancos ali dispostos e, de olhar perdido naquele complexo ferroviário onde funcionários executavam suas tarefas, como: higienização dos vagões, limpeza da plataforma, empilhamento dos tocos de eucalipto entre outras ocupações, quando tive atenção desviada por um casal de canário da terra, que esvoaçante se utilizava de um comedouro e bebedouro, posicionados à ponta do telhado da plataforma defronte a que me encontrava. Surpreso, pois raras às vezes que desfruto deste prazer em vê-los em liberdade, onde pela depredação dos ditos passarinheiros, tornou-se quase raridade conseguir vê-los e fiquei a admirá-los. Ali, absorto, quando me veio à memória uma passagem ocorrida à cidade de Campanha, MG, justamente à estação férrea – na infância a tinha como ponto de referência às minhas andanças e folguedos – que costumava apreciar a infinidade de pássaros que se aglomeravam, provocado pela empresa selecionadora de café e das perdas espalhadas pelo chão dos sacos durante o embarque e desembarque de milho, quirela, arroz, etc... As aves não se se por acostumarem com minha presença, não se assustavam. Talvez fosse porque, como elas, também ficava a catar os grãos de café já selecionados. Que sempre levava para casa no Rio de Janeiro, uma boa quantidade em que fazíamos a torrefação e posteriormente a moagem. Segundo diziam as pessoas que dele tomava, era de um sabor e aroma inigualáveis.
Um dia, porém, ao chegar notei que pouco eram as aves ali, embora a fartura de quirela fosse apreciável. Intrigado, fiquei a procurar o motivo da ausência, a percorrer toda a área. De repente, após a passagem de um cargueiro, que havia tracionado dois vagões carregados com milho e arroz, que à linha auxiliar aguardavam à retirada, visualizei que a cerca margeante ao leito, de arame farpado, mantinha-se repleta de pássaros pousados, que se debatiam na tentativa de voar sem conseguir.
Atravessando os pares de trilhos, atingi a cerca e pude constatar que os animais se mantinham aprisionados pelos pés ao arame farpado. Pegando o primeiro, um belo canário, com certa dificuldade evitando machucá-lo, o retirei a verificar que seus pés possuíam uma goma; era visgo de jaca, segundo meu pai Luiz, usado para pegar pássaros. Limpando seus pés, me utilizando do forro da minha cueca que já se apresentava começando a se romper e da agua retirada da Maria Fumaça ali estacionada, livrei um a um da armadilha. Não contei, mas creio que foram mais de 50, pois fiquei por mais de hora libertando-os e a limpar o visgo que os prendiam no arame.
Ao deixar o local, tendo as mãos untadas e grudentas, as lavei me utilizando da Locomotiva estacionada no pátio de manobra, cuja torneira com o auxílio do pó de carvão e terra ajudou-me na lavagem das mãos a deixá-las limpas. Retornando, a caminhar pela plataforma, “o velho Paixão” lá estava e então me dirigindo a ele, falei sobre o lamentável ocorrido. Virando-se a mim, falou: - “Filho, esta maldade é praticada por inescrupulosos que se valem disto no intuito de vendê-los aos também imbecis que as compram, sem se importarem que a liberdade dos animais é a mesma que as tem em suas vidas, mas que aos
animais a eles nada representa a não ser sua prisão, ou seja; uma gaiola ou um viveiro. Felizmente você, garoto, embora uma criança tenha sentimentos e merece por isso a benção do nosso São Francisco de Assis.”
Ao passar pelo local onde as aves se alimentavam, já era grande a presença dos pássaros. Parado a apreciar o momento que me trazia satisfação e por ser talvez lembrado, acredite ou não, por um canário que se empoleirou ao meu ombro permanecendo por alguns segundos após se lançar em voo. Sorrindo, segui meu caminho ansioso para contar a meus pais o momento que vivi, claro, por intercessão de São Francisco de Assis, cuja imagem nunca observada por mim, aparecem vários pássaros sobre ele, pois é o protetor dos animais que nesta terra habitam.
Moral da história: Nunca deixei até hoje em reverenciar São Francisco de Assis no dia 04 de outubro, pois me senti agraciado pela benção recebida por aquele simples gesto espontâneo de uma criança, que consegui livrar do futuro degredo aquelas aves que numa luta inglória, se debatiam em busca da sua liberdade que eu em boa hora as livrei do sofrimento. Como disse o velho “filósofo Paixão”, isto se deu por intercessão de São Francisco de Assis...
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