A bondade ainda prevalece
Refeito do esforço físico da salutar caminhada, deixei o banco do calçadão à lateral do Parque das Águas em São Lourenço, onde sentado também curtia o movimento, quando me despertou o interesse em verificar os cartazes dos filmes afixados às vitrines do cinema. La chegando, enquanto observava um senhor que se chegou, se pondo a olhar e, de súbito virando-se, fala sobre a qualidade dos filmes atualmente, em que as tramas e roteiros exibidos são sempre calcados encima da violência, sem que nos consigamos ter e extrair algo de aproveitável a não ser a demonstração da tecnologia virtual inspirada nos vídeo games, onde a virtude dos praticantes é matar, destruir e nada mais, sem que seu contexto seja apenas a gloria em sentir o prazer pela violência bem banalizada.
Concordando em parte com o comentário, contou que o cinema fez parte de sua vida por vários anos, tanto como auxiliar de sala de projeção e operador de projetores quando seu pai era um arrendatário e locatário do cinema à cidade de Itaperuna – RJ. Foram anos de trabalhosa tarefa, em que se viu obrigado pelo dever profissional, a cuidar da programação dos filmes, dos seriados, jornais e trailers. Todas as segundas – feiras levantava-se às 4;30hs, pois tinha de encaminhar os filmes já exibidos a outra cidade; sem falta, pois já estavam programados de acordo com o roteiro da distribuidora e, caso não ocorresse, haveria novo aluguel e aplicação de multa. Este processo era efetuado através das ferrovias, responsáveis pelas entregas das latas dos filmes na logística e transporte. No caso do recebimento dos novos à exibição, se fazia todas às quartas – feiras às 6:00hs pelo noturno campista, onde aposto à estação os conferia após verificar o numero de latas correspondentes as fitas. Assim durante anos foi sua árdua tarefa, sem que houvesse qualquer contratempo que interrompesse a rotina. Entretanto, se recordava que certa vez aconteceu um “desastre”, o qual na ocasião não se achasse culpado, mas por isso foi penalizado pelo pai com a perda do salário em três meses no intuito de pagar os prejuízos. Essa desatenção, além de perder os salários, causou enorme confusão e como não bastasse por coincidência, o nome do filme em cartaz com mais de um mês programado, de ingressos vendidos pelos três dias consecutivos da exibição, tinha como titulo: “O salário do medo”.
No dia da estreia, às 20:00hs, as luzes se apagaram, as cortinas se abriram e deu-se inicio a sessão com o jornal, os trailers e finalmente a fita esperada. Tudo corria bem dentro da tensão que o enredo projetava, pois se tratava de um drama em que caminhoneiros transportavam por estradas inóspitas numa floresta; nitroglicerinas, onde o suspense se fazia presente pela possível explosão do inflamável. Munir como disse chamar-se, na sua sala, mantinha-se tranquilo a preparar o outro projetor, já que o filme era constituído de três latas e a segunda delas entraria pela sinalização do término da fita do primeiro projetor, a dar continuidade ao filme. Ai então foi o drama de Munir, ao ouvir quebrando o silêncio da plateia, apupos, assobios e tudo que tinha direito. Olhando pelo orifício à parede, espantou-se que o filme projetado não correspondia no seguimento, mas sim a fita que produzia a “Paixão de Cristo” do cinema mudo! Confuso, assustado sem saber o que aconteceu, acendeu as luzes desligando o projetor interrompendo a sessão. Procurando pela lata da segunda parte, não a encontrou. Nisso espavorido entra pelo compartimento de projeção, seu pai, que tomando conhecimento do problema, vai apressado à direção do palco e dirigindo-se a plateia pede desculpas pelo incidente, solicitando a todos que fossem a bilheteria retirar o vale e aguardassem a nova sessão a ser marcada.
Esse episódio só foi resolvido um mês depois com o envio pela distribuidora do conjunto completo das latas do filme. Todavia as multas, e o aluguel foram cobrados, no que pese a culpa de verdade do extravio da tal lata coubesse à ferrovia, por negligência talvez de quem a manipulou no armazém a misturá-las com as latas endereçadas a cidade de São Fidelis, destinado à casa paroquial visando à semana santa.
Ao saber da informação, Munir se sentiu aliviado. Entretanto seu salário continuava sem ser recebido e nem apresentou qualquer queixa junto à ferrovia, já que não queria prejudicar o armazenista que poderia ser um simples chefe de família a perder seu emprego, embora merecesse uma repreensão por ter sido desatento na sua função. Ao contrário de Munir que apenas perdera três meses de salários, sem dizer que vivia com seus pais sobre o mesmo teto e por isso relevou o deslize, mesmo a lhe causar, como ocorreu, muita dificuldade pela secura dos três meses, mas sem o medo da fome.
Despedindo-se, seu Munir seguiu seu rumo exatamente quando ecoou pelo ar os apitos do Trem das Águas e eu a pensar qual o filme a ser visto depois de um episódio, onde a violência não prevaleceu e sim a razão recrudescida pela bondade!
Comentários: