A ferrovia e suas responsabilidades
Numa manhã de uma segunda-feira ao final de madrugada, lá estava meu saudoso pai, Luiz Ayres, embarcado no trem com destino à cidade de Cruzeiro, SP, visando na baldeação à cidade mineira de Alfenas seu destino, a dar prosseguimento na sua labuta como caixeiro viajante. Evidente que devido ao fim de semana expressivo e bem movimentado, o cansaço se fazia presente, em que o balanço do trem concorria ainda mais, para que fosse tomado pela sonolência natural pelas horas de sono perdidas durante o final de semana no Rio de Janeiro.
Ferrado no sono, de repente é despertado ao ser tocado no ombro e, assustado, vira a cabeça e nota que se tratava do colega e amigo, Herman (o representante comercial da fábrica austríaca dos móveis de palhinhas trançadas). Meio confuso e ainda sonolento, o cumprimenta convidando-o a sentar-se ao seu lado, tendo em vista estar a poltrona vaga. Aceitando o convite, já acomodado, se põe a conversar lamuriando-se pelo problema havido com um dos fregueses em Varginha, pois ao receber a encomenda pela compra de três cadeiras de balanço, ao abrir os engradados e retirar a palha que as envolviam internamente, observa que uma delas se apresentava com o trançado arrebentado na base do encosto, o que obviamente não caberia o recebimento pelo cliente. Comunicado via telégrafo ao representante no Rio de Janeiro, aqui estou para resolver a encrenca, pois a firma se nega a trocar a peça sem antes ser verificada “in loco”, já que as mesmas são embaladas na Áustria e exportadas diretamente a nós os representantes. Portanto, torna-se impossível ocorrer qualquer imprevisto sobre danos.
Diante do impasse, pois Herman sabia que o representante não aceitaria a troca e ser seu cliente um excelente comprador dos móveis de palhinha, a adquirir quase mensalmente peças importantes, propôs ao amigo Luiz, ficarem com a cadeira pagando ao comerciante varginhense o valor do custo do material. Interessando-se, lá foi Luiz até Varginha a passar-se como também pessoa da representação.
Lá chegando, verificada a falha na cadeira, Herman nem discutiu e foi logo efetuando a “troca” levando consigo a peça, se comprometendo a encaminhá-la outra. Transportando-a até a estação, expôs o fato ao chefe da estação, que por sua vez se negou a assumir a culpa, alegando que já havia se passado dias e não houve qualquer reclamação sobre o dano. Mas que aguardasse uma resposta oficial, pois iria expor o assunto à direção da ferrovia. Dois dias se passaram e então a surpresa. Não é que a ferrovia resolveu pagar o dano assumindo a responsabilidade! Pois é, segundo contou o chefe da estação, Sr. Euclides, foi notificado pela empresa transportadora das peças do porto até ao depósito de São Diogo da ferrovia, que um dos engradados, foi atingido pela lança da empilhadeira quando o operador descuidou-se, em não observar que o interior do engradado cheio de palha, continha uma cadeira e, com isso, a lança veio a danificar o encosto da cadeira arrebentando um trançado. Mesmo não sendo o dano notado pelo operador do veículo, fez questão de comunicar ao responsável do depósito a manobra infeliz, que aparentemente nada causou ao engradado e o conteúdo.
Portanto, com a ferrovia assumindo à responsabilidade, a tristeza de Luiz evidenciou-se, pois já tinha até verificado um empalhador para compor o dano e pagar a parte de Herman para ficar com a cadeira que seria presenteada ao seu pai Benedicto. Ah... Se fosse aos dias atuais, será que a ferrovia aceitaria ter esta responsabilidade a arcar com a culpabilidade? Velhos tempos que não voltam mais...
Por ter se sentido triste em não conseguir ficar com a cadeira de balanço de palhinhas trançadas, já que a ferrovia assumiu o dano do transporte, Luiz não se conformando, comprou do amigo Herman uma cadeira nova, importada, cujo amigo não cobrou sua comissão pela venda, abrindo mão dos seus ganhos pela amizade que os cercam há vários anos...
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