A mala esquecida do “mala”
Recordando das histórias narradas pelo chefe de Trens Evandro, que por anos operou na Ferrovia Leopoldina Railway do Rio de Janeiro, pincei da memória entre os inúmeros episódios, um que o deixou na ocasião bastante preocupado, dado ao singular desenrolar dos acontecimentos.
Procedendo a sua ronda rotineira, de repente Evandro é alertado pelo agente um tanto espavorido, que se chega, dando conta que algo de sério ocorria no vagão 4, pois um cidadão dava falta pela sua mala no bagageiro superior e mostrava-se possesso no descaso com a segurança do trem a culpar a ferrovia pelo desaparecimento da mala. Apressado, Evandro dirigiu-se com o agente ao local, tendo em vista uma grave ocorrência vinha acontecendo, fato incomum nas ferrovias.
Lá chegando, o “lesado” de pé à porta do carro em total desespero, fala que a tal mala não continha roupas ou pertences pessoais, mais sim uma soma considerável de dinheiro, o qual se destinava à troca por cédulas novas na Casa da Moeda no Rio de Janeiro, vez que as mesmas se apresentavam em estado deplorável – hoje são trocadas por qualquer banco – e seriam encaminhadas a Cachoeira do Itapemirim (ES) onde funciona o seu negócio.
Evandro, sem saber como solucionar o caso, afinal como comprovaria que a mala continha dinheiro? Segundo segredou o homem; com CR$ 3.200.000,00 ( três milhões e duzentos mil cruzeiros ), sugeriu que em Campos dos Goytacazes (RJ) fosse acionada a polícia a investigar o caso. O cidadão, retrucando, não concordou com o procedimento recusando-se a dar queixa. Lamentando, Evandro deu de ombro dizendo que nada poderia fazer, já que o cidadão é que deveria ter mais responsabilidade zelando pelos seus bens. Mas mesmo assim providenciaria a presença da polícia. O homem então se mantendo apreensivo, resolveu-lhe segredar ser um contraventor, ou seja; um “banqueiro” do jogo do bicho em Cachoeira. E o que diria aos policiais? Óbvio que seria preso!
Evandro mais tranqüilo, sugeriu que compreendesse sua situação e se quisesse reaver a mala, seria fadado a se identificar. No que se recusou o banqueiro dando como encerrado para alívio de Evandro. Só que continuando sua tarefa de chefe do trem, lá pelas tantas à estação de Macaé (RJ), ao passar pelo carro 6, na 2ª classe, observou no bagageiro uma surrada mala. Intrigado indagou dos passageiros a quem pertencia. Como ninguém se pronunciou como o dono, a retirou do local levando-a ao carro postal, onde ao abrir, se deparou com enorme quantidade de dinheiro com as cédulas bem deterioradas, sujas e malcheirosas, em que o odor de mofo prevalecia. Fechando-a, foi até o dito contraventor trazendo-o ao vagão postal onde a entregou; sem antes dizer para tomar um tônico à memória, pois a mala foi localizada no vagão 6 na 2ª classe e o senhor viaja na 1ª classe do carro 4.
Um tanto acabrunhado, o “banqueiro” abriu a carteira retirando algumas notas de mil cruzeiros ( as famosas abobrinhas com a esfinge de Cabral ) e deu a Evandro, óbvio, como recompensa. Só que se negou a aceitá-las, dizendo: - Meu dever é ser responsável por tudo neste trem Obrigado, mas guarde seu dinheiro e leve a sua mala; pois além de ser “perfumosa”, nos “cheira” muito mal! Deixando o vagão postal, a trancar a porta, com o tal banqueiro seguindo ao seu vagão e Evandro a retornar a sua rotina profissional acompanhado do agente, vira-se ao seu subordinado e fala: _ Como é que pode, uma pessoa ser tão desligada a ponto de esquecer da sua mala, em que uma boa fortuna era conduzida ?
O agente, sorrindo, o responde, mas perguntando: - Só o senhor mesmo para não aceitar aquelas abobrinhas de recompensa, por achar a mala... Evandro ,apenas sorrindo, o responde: -- um dia você compreenderá o que é ser um profissional, sabendo distinguir entre a responsabilidade ao dever a ser comprido e desejo em conseguir vantagens por cumprir um ato que faz parte de todo bom trabalhador na execução de suas tarefas profissionais.
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