A saudade por um fragmento de vida...
Na estância hidromineral de Passa Quatro, cidade localizada a serra da Mantiqueira, participávamos em grupo de uma caminhada ecológica na belíssima reserva do IBAMA lá existente. Porém, no retorno o micro ônibus do Hotel que nos conduzia, ao chegar ao trevo com a rodovia MG, é obrigado a aguardar a travessia, vez que a mesma encontrava-se interrompida pela passagem de uma carreta transportando enorme carga em velocidade bem reduzida , segundo constava, em direção a Cruzeiro pelo cartaz exposto à lateral da carreta.
Ficamos pacientemente esperando a conclusão, até que o tal veículo iniciasse à passagem a nossa frente. À medida que se aproximava, pudemos ver que se tratava de um bloco negro, de ferro, excedendo a largura da carreta, de altura considerável, que parecia ser um pedaço de locomotiva a vapor, mais precisamente o depósito de água e a carvoaria, em que à lateral podia-se ler: ainda legível o número 432.
No interior do coletivo um senhor de idade pra lá dos 80 anos, pede para abrir a porta, no que foi atendido e em passadas largas se pôs a seguir o lento veículo a chamar pelo motorista além de gesticular bastante. Trocaram palavras e gestos e a carreta parou. O senhor atravessando a pista, com certo sacrifício sobe e penetra a peça sumindo por alguns instantes. Sem saber do que se tratava, deixamos o ônibus e fomos de encontro do mesmo, que aparece ao alto do bloco negro, a debruçar sobre a lateral onde o número 432 era exposto e se dispõe a limpa-lo com seu lenço lentamente.
A seguir, deixa o bloco a descer na pista, agradeceu ao caminhoneiro, atravessou a rodovia (MG), se posicionando do lado oposto, com a carreta se deslocando vagarosamente e ele a olhá-la a passar o lenço sujo de resíduos de ferrugem ao seu rosto a enxugar as lágrimas, que rolavam à sua face e, virando-se a nós com a voz embargada, emocionado diz: -- Senhores, esta carvoaria é parte da locomotiva 432, a qual foi o meu primeiro emprego na vida há 65 anos, onde como auxiliar de carvoaria e depois foguista, passei dos treze aos dezoito anos, nesta máquina na cidade de Entre Rios, hoje Três Rios, no entroncamento ferroviário da RMV –(Rede Mineira de Viação- RMV), carinhosamente apelidada de “Ruim mas Vai”. Possuo na minha empresa, na minha sala, uma foto ampliada da 432, onde na escada orgulhosamente empunho uma pá nos meus treze anos.
Já no interior do ônibus, com o motorista a dar a partida, e iniciarmos nosso regresso ao hotel, seu Edevaldo, como se deu a conhecer, passando o lenço a encardir o rosto já devidamente encardido, fixa seu olhar como estivesse ainda admirando e curtindo suas lembranças do tempo que tinha aquela, hoje esquartejada, Maria Fumaça como sua “amiga” e agora estava sendo levada a fundição para reciclagem e ser utilizado seus componentes em várias composições. Sobre o silêncio Sr. Edevaldo acompanhou, até sumir no topo da rodovia, aquele pedaço negro de ferro que um dia o teve como companheiro sobre os trilhos, seu primeiro trabalho como ferroviário,...
Moral da história: A emoção às vezes por um fragmento da vida, sempre nos levara pela saudade, a momentos perenes que só a nós pertence e nos traz a beleza de uma época vivida...
Ah... Esses ditos turistas cujas atitudes e gestos nos parecem pitorescos, mas que às vezes costuma nos emocionar de verdade, obrigado pelo instante proporcionado.
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