Coisas de um passado...
Recordando minha inesquecível sogra Paulina, de saudosas lembranças, que hoje dia 05 de dezembro estaria completando seus 105 anos e como tantos outros aqui desfilados, foi também uma passageira frequente dos trens e, como tal, possuidora de inúmeros episódios vivenciados a nos proporcionar momentos hilariantes, até dramáticos e reflexivos. Dentre a gama de fatos narrados, contou que numa ocasião se viu apavorada, ao passar dias a fio sob tensão, por haver se deixado tomar pelo pavor em tornar-se uma tísica.
Estudando em regime de internato no Colégio Lafayette do Rio de Janeiro, vez que residia numa fazenda nos arredores da localidade de Andrade Pinto (RJ) – toda sexta-feira regressava a casa e no domingo à tarde voltava ao colégio – relembrando sua mãe, recordava-se das recomendações por ela passada, quanto ao cuidado necessário durante às viagens. Entre vários, mencionava o alerta em não conversar com pessoas embarcadas às estações de Paty do Alferes e Miguel Pereira, pois estas cidades eram tidas como locais de muitos tuberculosos, que as procuravam no intuito da cura pelas prescrições médicas dado o clima bem favorável.
A principal recomendação, é que elevasse o vidro da janela evitando qualquer tipo de contato à plataforma e, se possível, colocasse a mala sobre a poltrona ao lado, no intuito de não permitir que alguém ali embarcado se sentasse, alegando estar o assento ocupado.
Quando o trem parou à localidade de Avelar, antes das cidades preocupantes, uma senhora embarcou e sentou-se ao seu lado sem que a observasse, pois entretia-se com o livro de poesias. Dando conta da mulher, que sorriu ao notar o espanto, trocaram palavras, para logo depois Paulina retomar a leitura e pensar consigo mesma: - Ainda bem que ocupou a poltrona! Em Arcozelo, última estação antes de Paty, o vidro foi erguido como sempre procedia a cumprir a risca as orientações da mãe.
Depois de passar pelas “fatídicas” cidades, mais tranquila, Paulina fecha o seu livro, abaixa o vidro da janela e põe-se a conversar com a mulher serra abaixo, em prosas descontraídas. Entretanto, após passarem pela localidade de Arcádia, penúltima estação antes de Belém (hoje Japeri) onde era efetuada a baldeação ao Rio de Janeiro, a mulher suspirando diz que não via a hora de rever seus parentes, pois há quase quatro meses permanecia afastada deles. Paulina, curiosa, indaga o porquê dessa ausência.
Acabrunhada, a mulher responde ser por conta da saúde debilitada. Mostrando-se apreensiva, Paulina pergunta o que a levou à debilidade e preocupa-se ao ouvir a revelação bombástica, de ser pela tuberculose. Encolhendo-se a poltrona a colocar a mão sobre a boca, virando-se para a janela, se pois a chorar sem que desse a perceber, com o uso de seu lencinho. Não tardou, ergueu-se do lugar conduzindo sua mala, dizendo à mulher que iria à varanda, pois Belém estava próximo e queria pegar um bom lugar no expresso para o Rio de Janeiro!
Mesmo tendo passado décadas desse episódio, Paulina não se esqueceu do drama que viveu e ainda o tinha bem vivo à memória. À medida que o tempo passava, menos preocupada de contrair a tuberculose. Seu drama ia se diluindo da mente lhe devolvendo a candura em sua alma e iniciar-se com o romantismo aflorando em seu coração, onde conheceu o jovem Domenechino que a pediu em casamento em 1935 aos 20 anos.
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