Coragem a qualquer preço
Como de hábito, lá estava eu no barzinho da estação férrea de São Lourenço a prosear com o amigo Edelmo: Superintendente e responsável pelo Trem das Águas, a saborear delicioso cafezinho, quando fomos abordados por um cidadão de meia idade que ali se chegava, a nos indagar sobre os dias e horários do trem no passeio turístico à cidade de Soledade de Minas. Obtida a informação, após solicitar da balconista um café, pôs-se a conversar integrando-se a nossa prosa, onde revelou ser um aficionado e vidrado por trens, embora seu convívio com os mesmos tenha perdurado por pouco tempo, já com o tracionamento sendo efetuado em locomotivas diesel e não mais pelas lendárias Marias fumaça, as quais pouco tem lembranças, pois suas substituições quando ocorreram, ainda era muito criança e passou a discorrer episódios vividos por ele durante a época em que teve nos trens; década de 70, nos estertores das ferrovias mineira, sua utilização a conduzi-lo a Itajubá onde preparava-se num cursinho de vestibular o ingresso à faculdade de medicina.
Entre os fatos narrados, depois me identificar como historiador inerente aos trens e ferrovias, no intuito de obter episódios reais de fatos ligados aos trens, principalmente os a vapor, onde possuo considerável acervo, optei em crônicar inicialmente, por ter um cunho jocoso e mostrar que à cabeça de um adolescente, não importando que época for sempre estará presente o ímpeto e o espírito de aventura, que os fazem impulsionar a praticar atos incríveis, em que os riscos às vezes perigosos e inconsequentes, só para demonstrar suas coragens e bravuras; sem medir às consequências que hão de vir por essa insanidade efetuada, que muita das vezes terminam mal sucedidas ou em tragédias.
Contou-nos Ramiro, como se deu a conhecer, que no retorno de Itajubá, era comum ver o expresso ter seus vagões repletos de estudantes residentes às cidades sul mineiras, que a cada localidade iam sendo deixados às estações. Mas como residia em São Lourenço como tantos outros, havia o hábito de alguns. Talvez a querer se exibir pela coragem, em deixar o trem em movimento a projetar-se ao leito margeante aos trilhos, no intuito de atingir a rodovia visando pegar carona até São Lourenço a economizar o dinheiro da passagem e ter ainda de se valer do ônibus com o custo de nova passagem. Como estudantes, conseguiam sempre, contando com a solidariedade dos motoristas.
Numa ocasião, Ramiro cansado de ouvir gracejos, já bastante frustrado por se sentir inferiorizado perante aos colegas que o consideravam como um “cagão”, por não ter coragem de pular do trem. Naquele dia então, estava decidido a aventurar-se, a quebrar o medo no intuito de igualar-se aos ditos destemidos e corajosos, embora a resistência psicológica permanecesse arrigada à contrariedade do ato. Porém, entre o perigo e a impetuosidade de jovem, optou obvio, pela suposta coragem.
À proximidade do início da façanha, juntou-se no último vagão aos orgulhosos super-homens, doidos e“destemidos” colegas, mesmo tendo à cabeça a mil. A partir do ponto classificado como ideal, após a última curva e no seguimento da reta que levava à estação de Carmo de Minas, começou a agitação com a natural redução da velocidade do comboio e deu-se início a inconsequente aventura. Na sua vez, um tanto arredio, ao descer o último degrau da escada do vagão, segurando-se aos balaústres, levou um enorme susto ao ver passar perante seus olhos um poste da linha telegráfica. Tremendo de medo, pois poderia ter sido ao saltar, se chocado com o mesmo, recusou apavorado e exitou na aventura. Só que os colegas que o seguiriam, passaram a ser impacientar a chamá-lo de medroso, cagão e outros impropérios. Impulsionado pela fraqueza demonstrada e a querer se mostrar corajoso, olhou a via e empunhado sua mochila escolar, jogou-se ao espaço a tocar no chão, onde o impacto sofrido e a falta de experiência se evidenciando, teve o azar da mochila se enroscar às pernas a levá-lo ao chão num tombo apavorante nunca esquecido. Desnorteado, apavorado ergueu-se pondo a se limpar, quando notou que havia caído, felizmente, dentro de um lamaçal cujas consequências foram estar coberto de lama até a alma.
Seguindo à rodovia ali próxima, pôs-se a pedir carona aos veículos que passavam e nada de conseguir êxito durante bastante tempo, quando resolveu caminhar até Carmo de Minas ,aonde através do ônibus horas depois chegava a São Lourenço. Todavia ficou a certeza e o alivio que não seria mais reconhecido e chamado de cagão.
Seu Ramiro, ou melhor, Dr. Ramiro, confessou que a aquela aventura foi a primeira e última vez que aconteceu, pois todo barato costuma sair caro. E como saiu! Mas para o seu ego, como saiu barato! Ramiro então passou a fazer parte do rol dos corajosos. Mal sabiam que nunca mais faria o que fez, sò para aparecer...
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