Custódio, uma personalidade!
Degustava delicioso cafezinho, saboreando quentinho pão de queijo no barzinho do interior da estação ferroviária de São Lourenço, quando mais um carro de som quase a extrapolar os decibéis permitidos, une-se ao som de outros que por ali transitavam a falar de seus candidatos para o pleito eleitoral.
Um senhor que no bar apreciava os produtos expostos nas prateleiras, virando-se após menear a cabeça em total desacordo, esboçar um sorriso amarelo e soprar o ar, tece comentários pela insatisfação em ter que suportar tais "blá - blá - blás" a fazer de penico seus ouvidos. Chegando-se ao balcão e solicitando um cafezinho, pôs-se a conversar, atribuindo que tal prática publicitária não vai mudar nunca e que até já faz parte do folclore brasileiro. Inclusive, para ele, como disse, tornou-se um marco histórico em sua vida quando jovem, na cidade de Três Corações, foi destaque político e passou a narrá-lo.
"Por volta de 1955, em plena puberdade, estudante do grupo escolar, soube pela Professora Da. Ester, que a cidade seria visitada pelo famoso médico Dr. Juscelino, o futuro presidente do Brasil. Óbvio, sem entender das coisas, aguçou-me a vontade de ver como era um presidente de perto.
No dia do acontecimento, ao redor da estação, o local engalanou-se com cartazes, faixas e bandeiras, em que adeptos, partidários e curiosos avolumavam-se não só ali, como também no interior da estação, principalmente na plataforma, onde improvisado palanque fora montado a receber o ilustre visitante.
Eu, ávido de ansiedade, com a curiosidade aflorando-se no intuito de ver de perto um presidente, resolvi esgueirar-me entre as paredes e colunas, passando espremido, a forçar passagem pela massa compacta que se aglomerava fervilhando de gente. De repente o repicar do sino da estação soou e o murmurinho reinante tornou-se mais intenso. Era o aviso de que o trem estava a caminho, pois havia deixado a estação de Caxambu e de acordo com o telégrafo a avisar da partida com chegada prevista para uma hora aproximadamente.
Procurando chegar próximo do palanque, aos empurrões e apertos seguia, quando, novo badalar do sino era efetuado dando conta da aproximação do comboio. De repente ao longe, ouviu-se o apito que, seguido de outros já nítidos, dizia que o trem logo chegaria.
Aproveitando do momento de euforia, consegui atingir a frente do público no instante em que o comboio adentrava a estação, apitando acompanhado do espocar de rojões disparados na praça. Sob estrepitosa ovação, de súbito aponta na escada do vagão o Dr. Juscelino que, elevando o braço e estampando o seu peculiar sorriso, saúda o povo encaminhando-se ao local onde pessoas importantes o aguardavam. Posicionando-se no palanque a ouvir algumas saudações, fica aguardando seu momento de discursar. Nisso, eu ali à frente a admirá-lo, sou surpreendido com um gesto do presidente como chamasse por alguém. Ao olhar ao redor, observando que não houve comunicação a quem seria o chamado, voltei-me a olhá-lo, quando novamente o aceno foi repetido. Estranhando, já que ninguém respondeu, apontei para mim mesmo. Surpreso fiquei, quando o presidente, sorrindo, balançou afirmativamente a cabeça. Feliz, com o coração aos pulos, deixei o lugar indo ao seu encontro. Só que fui contido por um homem grandalhão em prosseguir, mas que logo a seguir conduziu-me ao palanque.
Inclinando-se levemente, Dr. Juscelino abraçou-me perguntando o meu nome, o qual revelei. Mantendo o seu braço enleado ao meu ombro, limitou-se a me olhar e sorrir, me parecendo não estar nem aí para a oratória enfadonha que hora era levada naquele instante. Por fim, ao discursar, continuei ao seu lado, tendo a sua mão apoiada ao meu ombro, que por sua vez acariciava a minha cabeça em gestos afetuosos ao referir-se às crianças do Brasil.
Findo o discurso, longamente aplaudido e ainda mais ovacionado, dirigiu-se ao vagão seguido da sua comitiva onde, na escada, em gesto de agradecimento e carinho, despediu-se.
No interior do vagão, eu que fora conduzido pela comitiva, fui mais uma vez surpreendido, quando o presidente, chamando-me pelo nome, abraçou-me e entregou sua foto, após sentar-se e escrever sobre a mesma uma dedicatória: Ao futuro político Custódio, um abraço fraterno do seu novo amigo e padrinho. Assinado Juscelino Kubitschek (JK), o presidente. Entretanto, a minha surpresa ainda maior ocorreu quando, 30 anos depois, ao visitar o museu do trem em São João Del Rei, descobri que nos anais das ferrovias mineiras, inseridas na parte tocante às celebridades e personalidades, estavam fotos nas quais, ao lado de JK, em Três Corações, eu fazia alusão ao futuro presidente como referencial às crianças mineiras a homenageá-lo. Embora aos visitantes seja apenas um mero coadjuvante "usado" demagogicamente para fins eleitoreiros a compor flagrantes fotográficos.”
Infelizmente, como revelou, não foi político como previu JK, mas aquela foto com dedicatória e assinatura está emoldurada até a data de hoje e é parte integrante da sua vida às paredes das casas que residiu e reside.
Lamentamos que o presidente não tenha dado a devida atenção a este importante meio de transporte, esquecendo-se de aparelhar e subvencionar a imensa malha ferroviária do Brasil, em detrimento das onerosas, dispendiosas e caras estradas rodoviárias, o que, em consequência, levou ao sucateamento o sistema, arrastando à derrocada total, não só do patrimônio imobilizado, como do seu quadro funcional a deixá-lo a mercê da própria sorte e que no passar dos anos, foi sendo absorvido pelos ferros-velhos, onde o material rodante sucateado teve seu fim junto as fundições ao longo do país
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