Da lua de mel a de fel
Aproveitando a magnífica manhã que fazia, lá estava eu sentado à mesa externa do barzinho da estação férrea de São Lourenço, curtindo a bucólica paisagem que aquele romântico recanto ainda nos proporciona - no que pese entre as ramagens das árvores ao longe, já tenha o contraste com as edificações verticais impostas pela modernidade urbana - acompanhado de delicioso cafezinho, quando um casal de “bem vívidos” se chega observando a tudo, principalmente a estação em si, a tecer comentários elogiosos à preservação e conservação do patrimônio de grande valor histórico e cultural.
Voltando-me ao momento após ingerir o último gole do cafezinho, sou abordado pelo cidadão em como solicitar um café. Chamando pela moça do bar, lhe solicitei dois cafés para o casal que me agradeceu e os convidei a sentar-se, no que fizeram ao expressar simpático sorriso.
Já saboreando o gostoso café, o senhor então inicia a conversação falando que a primeira vez que em São Lourenço estiveram, foi em 1958 por ocasião de sua lua-de-mel, conduzidos pelo trem, onde desfrutaram do parque por cinco dias. A partir de então, durante as quase seis décadas, apenas três vezes mais aqui estiveram. Esta quarta oportunidade deveu-se a um casal seus amigos, que ao exibir o vídeo do Trem das Águas, fez com que aguçasse o desejo de rever e relembrar a nossa lua-de-mel de inesquecíveis recomendações e aproveitando para comemorar os 55 anos de casados.
Entretanto, sua mulher, sorrindo, interrompendo sua fala, e sugeriu não se esquecer de contar a dificuldade que foi retornar ao Rio de Janeiro durante a viagem de trem até Cruzeiro e no expresso Vera Cruz até ao Rio. Soltando gostosa gargalhada, contou o motivo da complicação:.
Como não poderia deixar de ser, entre nossas bagagens estavam dois garrafões contendo água mineral tipo magnesiana. Só que à véspera do embarque, durante a noite, resolvi desarrolhar um garrafão e por duas a três vezes ingeri copos da maravilhosa água, independentemente da água gasosa à disposição na mesa no jantar do hotel, onde me fartei do líquido a exagerar na ingestão.
Pela manhã, aqui na estação, enquanto aguardávamos o expresso, senti algo estranho que correu pela barriga, talvez fossem gazes. Deixei Regina e fui ao toalete e logo retornei dizendo que foram apenas flatulências. Não tardou o trem chegou e nos acomodamos ao vagão determinado e partimos. Lá pelas tantas, descendo a serra, novamente sou fustigado pelos gazes, mas só que, dessa vez, vieram acompanhados de fina e violenta cólica. Incomodado com a dor, segui ao toalete e o seguimento foi o pior possível dentro do acanhado reservado. Parecia uma tortura, era por baixo e por cima sem que pudesse medir a extensão do drama intestinal. Não sabia se sentava ou levantava a tentar proteger as roupas e, como não bastassem, as cólicas cada vez mais se apresentavam num crescente torturante a trazer consigo, a sudorese a deixar-me sem como evitar o pior.
Com o tempo passando, num sacolejar constante, suando em bicas, Regina, assustada pela minha demora, bateu à porta. Respondi que tudo estava sob controle e logo estaria ao seu lado.
Retornando à poltrona após mais de 40 minutos debaixo de violenta pressão, ao sentar-me, Regina, aflita, indaga-me o que estava ocorrendo, pois alem da palidez visível e a excessiva sudorese, o chão do vagão pelo corredor ficou marcado com as pegadas do meu sapato, que por sua vez permaneceram sujos, como também parte da calça à altura da bainha se vê resíduos fecais.
Ali, extenuado, debilitado e envergonhado pelo vexame, ainda tive de amargurar e contentar-me com o odor exalado na abertura da porta do toalete e na constância, pelas pegadas do corredor.
Felizmente só no trem Vera Cruz me vi obrigado a me servir dos sanitários, sendo que desta vez as cólicas foram brandas, suportáveis e bem menos torturantes. A partir daquele dia, água magnesiana nunca mais!
Assim o casal Vitor e Regina nos contou sua historia, cujo palco da vida teve como cenário o trem representando uma viagem de lua-de-mel, que acabou se transformando em lua-de-fel.
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