Darimbo, o cigano violinista.
Curtíamos a cidade de Tiradentes quando, ao chegarmos à Fonte de S. José, um casal que ali admirava o secular monumento, dirigindo-se a nós tece comentários significativos à bela e secular obra. De acordo com as palavras elogiosas, ficamos a conversar trocando informações históricas as quais englobavam épocas distintas, como também relembrando passagens por nós vividas que, coincidentemente, tivemos em Minas Gerais. Recordando os momentos inesquecíveis, claro, o trem a vapor foi inconteste nas lembranças, no que pese o cidadão ser bem mais vivido e haver sido um caixeiro viajante, enquanto eu era apenas um menino limitado à vida interiorana da minha saudosa cidade de Campanha, onde passei praticamente a infância, puberdade e parte da adolescência, ligado a ela, pois pelo menos de duas a quatro vezes por ano ali estava curtindo as férias escolares, feriados prolongados, pois meu papai por ser um filho adotado da terra em laços de família, manteve-se por muitos anos ligado a sua gente interiorana, em que por ali esteve durante sua adolescência na árdua tarefa de caixeiro viajante representando a famosa Fábrica de Tecidos Bangu do Rio de Janeiro.. ao final da década de 30.
Entre as suas recordações, segundo revelou ser um amante das artes, lembrou-se de uma interessante figura de um senhor violinista, que militou por vários anos nos ramais da ferrovia RMV, vivendo de sua arte musical. Entretanto, infelizmente não se recordava mais do seu nome, embora soubesse tratar-se de um ex-cigano de origem romena, possuidor de espesso e avantajado bigode, mantendo sempre à cabeça um boné estilo quepe, surrado, em que os cabelos saltavam até quase ao meio do pescoço, onde sobre o violino se espalhavam desordenados quando executava seus “recitais”.
Seu Francelino, como se deu a conhecer, recordava-se que o violinista costumava se introduzir nos vagões da 1ª classe a oferecer aos passageiros seus dotes musicais. Dado seu ofício, tinha a benevolência da rede para utilizar-se graciosamente das composições nos ramais ferroviários a entreter os viajantes, que em troca lhe ofertavam trocados. Inclusive muitas vezes os convidavam para tocar em recepções, igrejas, casamentos, hotéis, festas rurais, enfim, o chamavam até para velórios. Tanto que uma vez, em Passa Quatro, foi convidado a comparecer num velório de político influente. Só que o convite partiu de opositores políticos. Desconhecendo as artimanhas e as injunções políticas, às 21hs lá compareceu. Ao retirar seu instrumento da caixa, pôs-se a executar obras de John Sebastian Bach, iniciando com “Jesus Alegria dos Homens”. Os presentes ao ouvirem o som do violino, espantados se assustaram causando certo murmurinho e constrangimento. Não tardou o violinista ali concentrado, despojado do seu boné e tendo as cordas afinadas do instrumento, onde o cabelo volumoso esparramava-se, é empurrando fortemente. Assustado, sem saber o porquê do tranco, é posto aos empurrões porta a fora. Tentando se explicar nota que querem tomar seu violino e em disparada desce rua abaixo, seguido pelo grupo que o perseguia aos brados. Quase morto, botando os bofes pra fora, ofegante abrigou-se na estação com proteção do Chefe, que com muito custo conseguiu contornar o entrevero. Serenados os ânimos, o Chefe da estação, após conseguir a caixa do violino e o boné, lhe explicou que fora vítima de trama política tapeado pela oposição. Nunca mais pôs os pés em Passa Quatro a não ser de passagem.
Depois de ouvi-lo, perguntei se por acaso o nome do... Violinista era Darimbo. Espantado, lembrando-se, confirmou, indagando se eu o havia conhecido. Sorrindo, disse-lhe que não esqueceria jamais aquela medonha figura que tanto medo me causou, por se tratar de um cigano. Naquela época, dizia-se que os ciganos costumavam raptar crianças para comer e jogavam as sobras nas fornalhas das Marias Fumaça. Custei a aceitar o som de violinos, pois me lembrava do Darimbo. Sob risos, deixamos a fonte a recordar episódios marcantes, caminhando em direção da estação, cujo trem, procedente de São João Del Rey, logo chegaria, repleto de turistas a desfrutar do passeio turístico, hoje um evento mais do que turístico, ajudando a preservar a memória cultural e histórica de Minas Gerais.
Vinte anos depois, já casado, resolvi retornar a minha cidade de Campanha, talvez visando matar um pouco da saudade que ainda trazia e trago do meu passado, onde ali lembranças e recordações trouxeram a minha vida muitos fragmentos, os quais indelevelmente são guardados à memória e expostos, vez por outra, trazendo a público estes momento que os chamo como fragmentos de vida...
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