Fagulhas do passado reacendem no presente
Um pouco afastado do grupo que de posse de câmeras, fazia da locomotiva 206 o pano de fundo aos flagrantes fotográficos a subir e descer da velha cabine, um senhor chegou-se a nós solicitando, se poderíamos fotografá-lo próximo a máquina. Atendendo-o, fiquei a fotografá-lo nas poses desejadas, às quais como crianças diante do seu brinquedo, visivelmente alegre e feliz se posicionava a procura dos melhores ângulos.
Transbordando de felicidade e se dizendo realizado, por ter depois de quase sessenta anos retornado ao passado, pôs-se a contar o porquê daquele ato aparentemente infantil, o qual a muitos pudesse caracterizar como senilidade. Seu Yolando, com “Y” como revelou, deu início a sua história em narrativa bem detalhada e repleta de emoções a cada momento recordado, em que o lenço se fazia ativo.
“Por volta de 1949, meu primeiro trabalho foi de representante comercial pela Bayer, onde aos 19 anos, na tarefa estabelecida, a minha praça de ação partia de Barra do Pirai (RJ) a percorrer toda a região, em que o trem era o melhor meio de transporte e apoio. Recordo-me que pelo menos duas vezes por semana, utilizava-me desse ramal férreo, tendo na localidade de Conservatória o referencial logístico a atender inúmeras fazendas. Lembro que sempre me valia do expresso das 6,45 hs, cuja locomotiva era esta, a 206. Foram quatro anos percorrendo esses trilhos (hoje extintos) com lembranças indeléveis de momentos que marcaram a vida. Porém, o que me atraiu aqui quase sessenta anos depois, foram fotos tiradas por amigo que aqui esteve em excursão, às quais me emocionei ao ver a Maria-Fumaça 206 preservada em monumento à praça. Confesso que o passado veio à tona trazendo lembranças da minha saudosa e inesquecível mulher Zilda, onde tudo começou.”
“Por ocasião da 1ª viagem, lá estava eu sentado à poltrona do vagão, a apreciar as belas paisagens interioranas, quando de súbito uma bela jovem de tez acaboclada com longos e negros cabelos, portando uma cesta, me oferece balas de leite. Ao olhá-la, seu olhar tenro de sorriso suave, confesso me encantou, fazendo adquirir suas balas. A partir de então com a constância dos encontros, nasceu uma amizade na qual passei a sentir algo além da amizade, ou seja; estava apaixonado!”
“Numa manhã, tomado de ansiedade por encontrá-la, para minha tristeza não apareceu. Amargurado, desembarquei em Conservatória e para felicidade, a surpresa; ao vê-la sentada num banco da estação. Com o coração aos pulos fui à sua direção e a senti desolada sem o sorriso de doçura peculiar e mais; sem a cesta de balas. Mostrando-me ao seu lado duas surradas malas, ergueu-se me abraçando a dizer em prantos, que há dois dias esperava por mim desesperada e sem rumo, pois sua madrasta a havia expulsado de casa, e para piorar, sem que seu pai ao menos interferisse por aquela atitude descabida, a mostra-se indiferente, dando total razão a maldosa criatura, a achar que deveria procurar um trabalho.”
“A partir de então, sob fiéis juras de amor, após dois meses, tornaram-se oficial perante testemunhas, no cartório de Valença; marido e mulher em 1949. Foram 52 anos de amor doce como balas, 2 filhos e 4 netos. Quanto ao seu pai, nunca mais teve contato, bem como, também retornou a sua cidade.”
“Agora, aqui, frente a frente com Maria-Fumaça 206, que silenciosa, estática e fria ornamenta o logradouro, trazendo, a poucos, recordações pela chaminé do passado as fagulhas de um amor ardente que aquecem a história”. Agradecendo, seu Yolando nos deixou, levando consigo a fagulha de anos do seu passado que hoje a saudade fez reacender, por ser resistente e verdadeira... Um exemplo de Amor, onde o trem tornou-se o cupido nessa linda história do casal, Yolando e Zilda...
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