Nestor rende-se ao passado
Passando na localidade de Barão de Juparanã, RJ, outrora importante reduto cafeeiro, onde dezenas de fazendas dos grandes baronatos se destacaram com prosperidade no cultivo do café, ao aproximar-me da cidade, visualizei imponente prédio, provido de uma torre em que se sobressaia considerável relógio. Atingindo o local, uma praça interiorana bem cuidada, circundada por um casario já reciclado parcialmente, descaracterizado sim, da originalidade, deixei o carro estacionado e caminhei em direção da majestosa edificação, de características arquitetônicas clássicas das grandes estações ferroviárias. Sem dúvida marco histórico fazendo parte de uma época importante, onde o trem foi à base de uma economia no nosso país.
Acessando-a, por uma porta lateral, vez que mantinha à entrada ao saguão fechada, atingi a desértica e desoladora plataforma. Caminhando, segui uma das extremidades, onde observei o leito com dois pares de bitolas largas, sobrepostas alternadamente a dormentes de madeira e concreto, seguros por um pedregal, que parecia haver sido colocado recente. De repente, um senhor adentra ao local portando uma bandeirola verde e posiciona-se à outra extremidade. Observando-o, aproximei-me indagando sobre sua presença e o porquê da bandeirola e lógico desculpando-me pela invasão do local. Sorrindo, apontou à direita e falou: — Lá está o motivo da minha presença. Virando-me, observei ao longo da reta dos trilhos, um ponto Negro oscilante. Não tardou, acionando um apito acentuado soando grave, chega-se a nós cruzando a estação, três locomotivas a diesel, inseridas as laterais os nomes M R S a exalar o cheiro do diesel, bem como expondo um calor intenso , interligadas, puxando centenas de vagões de minério. Foram mais de cinco minutos, desfilando aos nossos olhos. Concluída a passagem do último vagão e acompanhá-lo até sumir na curva, dirigi-me ao senhor que enrolava a bandeirola, após acioná-la ao maquinista e indaguei há quanto tempo operava ali naquela triste e melancólica estação a sinalizar aos maquinistas. Meneando a cabeça de um lado para o outro, disse que mais ou menos uns oito anos, desde que deixou a ferrovia que servia ao Cais do Porto no Rio de Janeiro pela desativação do porto. Contou-me que é ferroviário há 57 anos, iniciando-se em Três Corações onde se tornou maquinista efetivo na condução de cargueiros até os meados de 64 e um ano depois ingressou no porto.
Hoje aposentado como maquinista, aos 82 anos, ainda vem prestando seus serviços a MRS, exercendo a honrosa função de sinalizador visual as composições que por ali trafegam, a qual orgulhosamente, Seu Nestor como se apresentou, se sente útil.
Todavia ao mencionar sobre o Trem das Águas, em São Lourenço, sobressaltou-se, não crendo no que eu dizia, pois obteve informações, que aquele imenso patrimônio havia se deteriorado. Retirando da minha bolsa um envelope, lhe mostrei diversas fotos, as quais as locomotivas 332 e 327, em close, foram fotografadas, bem como os vagões e as estações de São Lourenço, Soledade, Passa quatro e Itanhandu.
Olhando os retratos, visivelmente emocionado, com carinho em gesto espontâneo, limpando as mãos na camisa, acariciou a foto onde a locomotiva 332 aparecia e, balbuciando proferiu: -- "Minha menina, que saudade, como você está bonita, quantas foram às vezes que juntos percorremos esse chão abençoado do sul de Minas". Sem jeito, um tanto encabulado, Seu Nestor devolvendo-me as fotos, desculpou-se pelo momento de descontrole emocional e pediu-me, se possível, uma cópia da foto da locomotiva 332. Despedindo-nos, agradeceu pelo instante de "amor" que lhe proporcionei, ao mostrar aquelas fotos e prometendo em breve estar em São Lourenço, onde faz questão de ter o seu precioso presente, ou seja; a foto de uma das suas amadas, a Maria Fumaça 332, atualmente rodando em Passa quatro efetuando passeios turísticos.
Sem esperar por sua prometida visita, o enviei a foto, onde dias depois recebi uma correspondência, do Seu Nestor, em que, sensibilizado, se dizendo muito feliz, agradecia a fotografia e que no mês de setembro, se Deus permitir, aqui em São Lourenço estaria.
Nestor cumpriu a promessa, rendendo-se ao passado! E eu tive o prazer em recepciona-lo, inclusive seguimos até Soledade de Minas na viagem turística, mas sim localizados na cabine, onde matou a saudade, como maquinista conduzindo a Maria fumaça,1404, tendo os olhos lacrimejante a mostrar a emoção que o deixou por algum tempo, sobre forte deleite da saudade que o dominou, naqueles poucos , mais o suficiente, em recordar um passado que já vai bem longe... \No seu regresso a Juparanã, ao me agradecer mais uma vez, comprometeu-se a ir a Passa Quatro ver de perto a sua querida menina 332.
Comentários: