O Brasil e o dever de cada um
*Rogério Medeiros Garcia de Lima
Há mais de duas décadas o Brasil foi transformado em um lamaçal: a corrupção alastrou-se na vida pública. Políticos, autoridades e servidores do Legislativo, Executivo e Judiciário, no âmbito da União, estados e municípios, foram flagrados em práticas de improbidade administrativa.
A corrupção é uma mácula que já existia nas sociedades antigas.
Por isso, o filósofo grego Aristóteles apregoava que, entre o bem do indivíduo e o bem da cidade, é mais importante defender o bem da cidade. Will Durant ensinava que “as concepções morais giram em torno do bem geral”. Moralidade existe na vida em comum. A conduta ética é aquela que resulta no bem-estar de todos os cidadãos (“A História da Filosofia”).
Entre nós, o saudoso político e jurista Franco Montoro, no texto “Retorno à Ética na Virada do Século” (1997), revelava-se impressionado com o volume de publicações sobre ética nos anos 1990. Tratavam de ética na política, no direito, na indústria, no comércio, na administração, na justiça, nos negócios, no esporte, na ciência, na economia e na comunicação. Ao mesmo tempo, multiplicaram-se por toda parte movimentos populares ou associativos, reivindicando ética na vida pública, na vida social e no comportamento pessoal. Por que a ética voltou a ser debatida no mundo contemporâneo? “A resposta talvez possa ser indicada no célebre título do romance de Balzac, ‘Ilusões Perdidas’. Quiseram construir um mundo sem ética. E a ilusão se transformou em desespero. No campo do direito, da economia, da política, da ciência e da tecnologia, as grandes expectativas de um sucesso pretensamente neutro, alheio aos valores éticos e humanos, tiveram resultado desalentador e muitas vezes trágico”.
No artigo “Ética para principiantes”, eu assinalava que todos nos indignamos com os muitos escândalos fartamente noticiados. Todavia, já pensamos que eles são a “cara” do Brasil? Sérgio Buarque de Holanda definiu o brasileiro como “homem cordial”. Possui sociabilidade aparente para obter vantagens pessoais e evitar cumprir a lei que o contrarie (“Raízes do Brasil”). É o famoso “jeitinho brasileiro” (jornal Estado de Minas, 28.06.2007).
E acrescentava: muitos dos que xingam duramente os corruptos, são os mesmos que elegem políticos almejando benesses pessoais. Diversos homens públicos são identificados com o slogan “rouba, mas faz”. Esses eleitores não idealizam os representantes que administrarão e elaborarão leis em nome da comunidade, mas os “amigões do peito” que vão resolver seus problemas: emprego, bolsa de estudo, tratamento médico gratuito, transferência do filho para a universidade pública e congêneres. Vão livrá-los de problemas com o delegado de polícia ou o fiscal de tributos, se possível ajeitando a remoção do “incômodo” funcionário para localidade bem distante. São os mesmos eleitores que sonegam imposto de renda, não fornecem recibo ou nota fiscal a clientes e consumidores, subornam o guarda de trânsito e o fiscal da fazenda, compram drogas de traficantes ou fazem apostas em jogos ilícitos. Contudo somos todos muito bons, boníssimos. Corruptos são os outros.
Essa cultura de descompromisso com o Brasil acentuou-se deliberadamente nas últimas décadas. Fomos governados por pessoas ambiciosas de levar vantagem em tudo. Ao mesmo tempo em que inculcavam na opinião pública o desapreço por valores patrióticos, familiares, religiosos e éticos.
Era a tão propalada “hegemonia cultural”, conceito criado pelo teórico comunista italiano Antonio Gramsci. Em vez da tomada do poder pela violência, a esquerda se infiltra, com fins de dominação, nas universidades, escolas, sindicatos, imprensa, igrejas, atividades artísticas etc.
Gustavo Ioschpe alertava:
“Você sabe que os seus filhos estão ouvindo na escola ataques ao capitalismo e à burguesia brasileira (leia-se: você) e elogios ao modelo cubano e a outros lixos socialistas?
“(...) É ótimo que a nossa elite ganhe muito dinheiro, progrida e tenha condições de passar um tempo em Miami, Paris ou onde bem lhe aprouver, mas que só isso não basta: precisamos de uma elite empenhada em alterar a realidade do país, em não fugir dela. O Brasil está criando pessoas que desconfiam da democracia, dos valores republicanos, de sua própria capacidade empreendedora. Se as lideranças do país continuarem se abstendo da discussão que mais importa – a de valores, de identidade, de aspirações nacionais -, continuaremos colhendo atraso e frustração. Não se constrói um país desenvolvido sem elites. Esse debate é indelegável.
“Já passou da hora de termos uma escola apolítica, sem doutrinação, que consiga fazer com que nossos alunos pensem e tenham os instrumentos para pôr de pé seus sonhos de vida. Não podemos nos furtar desse debate nem adiá-lo. Ele começa hoje, na sua sala de jantar, na escola de seus filhos. Aproveite essa liberdade enquanto a temos” (“Estamos acabando com o país”, revista “Veja”, 12.11.2014).
Quando criticamos a “pedagogia do oprimido”, de Paulo Freire, somos taxados de “reacionários” empenhados em “destruir” a educação e a cultura no Brasil.
Travamos uma guerra. Uma guerra para reconstruir a ideia de nação. Uma guerra para extirpar os males que nos afligem há mais de duas décadas. Uma guerra para criar condições de desenvolvimento econômico.
Em 1865, antes da Batalha do Riachuelo, ao fim da qual a Armada brasileira obteve fragorosa vitória sobre os inimigos paraguaios, o Almirante Barroso conclamava aos marinheiros compatriotas:
- O Brasil espera que cada um cumpra o seu dever!
Com esse sentimento cívico, venceremos hoje as forças do mal e do atraso.
* Desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, doutor pela UFMG e professor universitário
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