O caçador de escorpiões
Deixando o vagão 6, após iniciar a rotina em vistoriar o sistema integrado de freios a observar os magotes de ar, Miguel o zeloso chefe de trens, aciona a maçaneta externa da porta do vagão 5 e entra no carro. Ao fechá-la, ouviu um som de algo diferente do que comumente se verifica. Parado por instantes ficou à espreita. Novamente ocorreu e Miguel atribuiu ter vindo do toalete, e colocou o ouvido à porta. De fato tinha razão e acionou a maçaneta, mas a porta estava trancada. Então resolveu bater e, logo a seguir gritos, que mesmo abafados, pareciam femininos.
Preocupado, tentou abrir forçando a porta, quando se escancarando, uma mulher deixa o local aos gritos, -- pela indumentária tratava-se de uma freira, - tendo a parte inferior das vestimentas levantada à cintura e a segura pelas mãos, a expor, provavelmente sem imaginar, suas intimidades desnudas, indo aos pulos pelo corredor até ser amparada por três freiras, que espantadas a envolvem num abraço encobrindo a desesperada religiosa. Nessas alturas os passageiros perplexos, não sabiam se riam ou lamentavam tal hilariante cena, em que talvez sabedoras do ocorrido, põem-se também a se sacudirem tornando ainda mais jocoso o momento. De súbito, Miguel se aproxima pedindo calma a todos e entrega a desafortunada freira a sua calçola ( tipo ceroula ), aonde jaziam dois escorpiões esmagados e indaga se por acaso fora picada pelos aracnídeos, já que suas ferroadas são muito dolorosas e precisaria de atendimento médico, embora sua peçonha não seja como de serpentes, , letais , mas se a vítima tem problema de alergia se fara necessário um médico.
Serenados os ânimos com as freiras aos seus lugares e ainda sob risos e apimentados comentários, Miguel mostrando-se penalizado e sério, resolveu quebrar o ambiente dizendo; “que todos respeitassem o momento da religiosa pelo seu instante de pavor. Afinal, independentemente de ser uma freira, possui reações iguais a qualquer pessoa diante do infortúnio, até não medindo as consequências, sejam elas; pelo drama ou pela jocosidade”. Finalizando, solicitou que o caso fosse esquecido e morresse ali e mantivessem a dignidade e o respeito, embora soubesse ser difícil controlar as línguas ferinas.
Agradecendo, deixou o vagão em seguimento ao seu trabalho, cônscio em ter agido como cidadão no dever cumprido.
Porém, ao chegar o expresso à estação da cidade de Campanha, no que Miguel galgou à plataforma, recebe o abraço do velho Paixão, chefe da estação, que sorrindo profere;
- Salve o novo caçador de escorpiões!
Miguel surpreso retruca: - Poxa, não imaginava que a notícia corresse mais rápida do que o trem !
Paixão, então se virando a olhar aos desembarcados, aponta às religiosas e fala: - São aquelas que se dirigem ao Colégio N. S. de Sion ?
Quanto à notícia, foi passada pelo telégrafo da estação de Cambuquira à Paixão, provavelmente algum colega espalhou o ocorrido, já que era praxe avisar quando o trem deixava a cidade em direção à próxima; no caso Campanha em 80 minutos
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