O cansaço derrubou Cardoso!
Entre as infinidades de histórias contadas pelo saudoso chefe de trens Miguel, cuja vida ferroviária foi dedicada na sua totalidade ao bem servir e fazer muitas amizades, recordo-me de um episódio por ele narrado o qual o deixou apreensivo pelo acontecido, mas que teve um cunho de pitoresco.
Na cidade de São Gonçalo do Sapucaí (MG), havia um cidadão – conhecido como Prof. Cardoso – que diariamente às 4,50 hs tinha no expresso sua locomoção à cidade de Campanha (MG), onde lecionava nas cátedras de Geografia e História do Brasil e que posterior em seguimento, via jardineira, (pequeno ônibus de 20 passageiros, dotado de uma escada na traseira que levava ao teto do veículo, onde eram posicionadas as malas e bagagens) a conduzi-lo duas vezes por semana a cidade de Conceição do Rio Verde complementando sua tarefa educativa diária.
Dada à constância dos encontros, Miguel e Cardoso se tornaram grandes amigos e toda madrugada lá estavam a conversar antes do trem partir. Aquele momento matinal se tornara uma rotina que se transformou em grande amizade.
Certa feita, Miguel estranhou a ausência do amigo, com o expresso partindo sem o Cardoso, o que o deixou apreensivo. Afinal há mais de oito anos nunca tinha ocorrido tal coisa. Ao chegar a Cruzeiro, Miguel recorrendo ao telégrafo da estação, soube que Cardoso havia perdido o trem por escassos minutos, no que se aproveitando do cargueiro das 5,30 hs embarcou num dos vagões de carga contendo colchões.
Na manhã seguinte, Cardoso ao chegar à estação para cumprir a rotina, um tanto envergonhado conta ao amigo Miguel; que sorridente o cumprimentou, e quiz saber dos percalços que passou no dia anterior. Autorizado pelo chefe da estação, seu Tadeu, a utilizar-se do vagão 3, cuja carga eram colchões de crina destinados a Resende (RJ), ao entrar lá estavam bem convidativos os deliciosos colchões, em que fazendo da pasta travesseiro, espichou-se confortavelmente, cujas consequências foram desastrosas.
Na noite passada com provas a dar a seus alunos, passou parte da noite preparando-as, o que ocasionou entrar pela madrugada a sacrificar o repouso reparador pelo sono. Como levantaria as 4,15 hs e o relógio registrava 1,30 h, optou por se recostar à poltrona. Lógico que aquele cochilo noturno o fez perder o trem; Ao abrir os olhos ás 4,40 hs e ter o expresso as 4,50 hs, embora tentasse disparando até a estação, acabou frustrado, embora fosse agraciado com delicioso colchão, cujo sono o levou até Cruzeiro, muito além de reparador. Ao ter a porta do vagão aberta e ser acordado pelo conferente que sorrindo lhe disse que lamentava acordá-lo, pois dormia ferrado, e seus alunos é que iriam adorar, já que não haveria mais provas!
‘ Surpreso e ainda confuso e sonolento, Cardoso retrucou em como sabia que era um professor e que tinha um compromisso com seus alunos?
Sorrindo, o conferente diz que apenas cumpria ordens do chefe Miguel, que deixou a recomendação para acordá-lo em Cruzeiro. Afinal uma carga desse tipo não é para desprezá-la, ainda mais quando a noite de sono não foi suficientemente. Quanto à aplicação das provas, foi o próprio Cardoso que mencionou lá em São Gonçalo ao chefe da estação, seu Tadeu.
A partir daquele dia, Cardoso quando tivesse de se utilizar de cargueiros, só se fosse à cabine das Marias-Fumaça... Ordem do amigo Miguel.
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