O duelo dos odores
Relembrando das histórias contadas pelo chefe de trem, Miguel, de saudosas lembranças, cuja vida profissional foi por mais de quarenta anos dedicada às ferrovias, entre os inúmeros episódios, recordo-me – aproveitando o momento atual com que a proibição do fumo se faz rigorosa – de uma passagem ocorrida durante a viagem, a qual Miguel se viu entre a cruz e a espada, devido ao problema criado por dois passageiros.
Subia o expresso a serra da Mantiqueira, numa tarde fria e chuvosa, quando de repente o condutor do trem, chega-se apreensivo a Miguel, dizendo que no vagão 5, um furdunço estava se iniciando por dois homens descontrolados que, sob palavreado intempestivo, se agrediam e tencionavam às vias de fato, tal a discordância, em que cada um se sentia no seu direito em se defender com as “armas” que possuem.
Apressado, Miguel chega ao vagão e constata a confusão, onde de pé, um dos agressores, com o dedo em riste, ataca o outro, que sentado à poltrona, se defendia retrucando a vociferar palavras a seu favor. Aproximando-se dos “debatedores”, Miguel pedindo calma, tenta conter o bate-boca, indagando ao homem de pé, o que estava ocorrendo, para ambos se mostrarem tão irados. O cidadão conta, indignado, que o mal educado do passageiro, vinha empesteando o ambiente, já que as janelas do vagão permaneciam fechadas, com constantes cigarros de palha, cujo fumo de péssima qualidade e de odor insuportável, o obrigava se erguer do lugar, indo à varanda a se molhar pela chuva e se sentia injuriado pelo desconforto.
Nisso o tal fumante mais indignado, retruca, defendendo-se, dizendo que ele também estava sofrendo do mesmo problema. Só que não podendo deixar o lugar por estar do lado da janela, pois o porcalhão do seu lado, dificultava a locomoção. Miguel surpreso, vira-se ao cidadão e indaga se também fazia uso dos cigarros. O homem irado, responde que não, alegando que o mal educado mentia. Voltando-se ao fumante, pergunta qual era então à justificativa em dizer que sofria do mesmo mal, se não era um tabagista?
O cidadão um tanto possesso, responde que o porcalhão vinha impregnando o ambiente com suas nauseantes flatulências o tempo todo, expelindo os gazes “bundanos”, sem se dar conta o quanto isso representa as nossas narinas. Se sentindo acuado e obrigado a suportar tanta falta de educação e respeito, resolveu a cada som abafado, sem contar os silenciosos, acender um cigarro no intuito de chamar atenção de “ilustre” porcalhão.
Nesse instante, os passageiros cientes do problema, começam a tomar partido a cada contendor e, o murmurinho se generaliza, no que veio a deixar Miguel em palpos de aranha em como resolver a questão.
Resultado, o porcalhão um tanto deslocado e avexado, se dizendo injustiçado a negar em ser o dito peidorreiro, retira sua mala do bagageiro, revelando que se posicionaria à varanda, depois de se tornar “vítima” de uma infâmia.
Miguel aliviado, antes de se retirar, solicitou a todos que se acalmassem e esquecessem o que aconteceu. Ao abrir a porta do vagão, no que pese o barulho de trem externamente, ouve no exato momento o som inconfundível de flatulências. Tocando ao ombro do cidadão na passagem ao outro vagão diz: - Boa Viagem e bons ares peidorreiro!
O cidadão se assustando com a presença de Miguel, e pelas suas palavras com um tom irônico, sem jeito, vira-se e diz :- Devido a feijoada degustada no almoço, não pude conter a pressão dos gases. Mas mesmo assim, o odor é ainda melhor do que aquele cigarro que impregnava o ambiente, causando mal estar... Miguel sorrindo, passa a varanda do outro vagão, sem antes dizer para tomar cuidado, pois pode ser um telegrama anunciando, que a “tempestade” está a caminho! Prepare-se...
Comentários: