O herói de Conservatória!
Recordando das histórias contadas pelo Sr. Borges, saudoso chefe da estação da localidade de Conservatória (RJ), cujo acervo de episódios era grandioso, lembra-me dentre muitos, de um por ele narrado que o marcou profundamente durante anos que ali operou.
Havia um cidadão de nome Felizardo, deficiente físico – sem o pé esquerdo cortado a machado por haver sido picado por uma cobra jararacuçu – que vivia na estação férrea graça a generosidade de seu Borges que o acolheu oferecendo trabalho e teto com serviços gerais às dependências da gare, inclusive com o fornecimento de alimentação.
Nessa época, ao final da década de 40, era levado ao ar pelas ondas da Rádio Nacional, um seriado radiofônico sob o título: Jerônimo o herói do sertão, em cuja novela o Jerônimo tinha como companheiro fiel um jovem negro conhecido pelo nome: Moleque Saci. Obviamente que Felizardo pela deficiência, passou a ter o apelido do personagem na localidade e seu Borges, claro, como Jerônimo.
Numa ocasião, um temporal assolou à noite inteira a região, a causar vários estragos à população rural dado a transbordamentos de rios e riachos, como notadamente quedas de barreiras e aluviões. Antes do amanhecer, seu Borges juntou os homens da manutenção da linha, dividindo-os em duas frentes e fez com que vistoriassem a via, tanto à direção de Valença e no sentido contrário. . Conduzindo suas pás, enxadas e picaretas, lá foram os grupos nas suas tarefas, pois o expresso procedente de Valença era previsto as 6,40 hs e as comunicações por falta de energia estavam interrompidas.
Por voltas das 6,00 hs, a equipe sentido Valença, retorna dando a inspeção como concluída com o leito sem qualquer anormalidade pelo menos em 3 km de Conservatória. Saci ao ouvir a conversa, pulou aos trilhos com sua muleta e apressado pôs-se a caminhar. Ao atingir a chave do desvio, antes da curva que levava ao túnel, vê a agulha aberta. Ao tentar fechá-la, a mesma não se moveu por mais que forçasse. Agachando-se, observou que uma pedra a impedia à flexibilização. Com o auxílio da muleta tentou retirá-la, mas não conseguiu. O tempo escasseando, em desespero à direção do túnel de 200 m de extensão; assusta-se temendo encontrar o trem o que seria fatal. Não pensou muito e partiu a tropeçar apoiando-se à muleta em plena escuridão e finalmente atinge o final. Assim que saiu, escuta o apito da locomotiva 206, que em marcha reduzida aponta na pequena reta. Pulando numa perna só, agitando a muleta aonde sua camisa servia de bandeira sendo agitada, consegue ser visualizado pelo maquinista, que acionando os freios, vai parando e a uns 20 m de Saci desce da locomotiva indo ao seu encontro. Sabedor do grave problema, os dois seguem vagarosamente adentrando ao túnel e atingem a tal agulha emperrada. Com a picareta da máquina, retiram a pedra e seguem à estação, onde à escada da cabine, Moleque Saci tendo a muleta como mastro e a camisa como bandeira, desfraldada , chegam a plataforma relatando ao Sr. Borges o ocorrido. Corroborado logicamente pelo sorridente maquinista que o classificou de herói.
Daquele dia em diante Moleque Saci, digo; Felizardo, passou a ser o mais novo funcionário da RMV e o: “Saci o herói de Conservatória”. Como o fato logo se espalhou não só por Conservatória, mas pelas cercanias, afinal foi na verdade um feito de grande importância , a julgar pela deficiência física ao atravessar os 200m na escuridão com o apoio de uma bengala improvisada, a se apoiar sobre um pedregal e mais, se arriscar a própria vida caso fosse surpreendido pelo expresso, cujo horário já estava atrasado.
Enquanto o ramal não foi desativado, FELIZARDO ali viveu até ser reconhecido pela empresa RMV e ser finalmente aposentado como ferroviário após 21 ano de serviço como Operador de linhas.
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