O sinaleiro Abílio
Em Soledade, curtindo o mini-museu ferroviário ali existente, deparei-me com um casal da “terceira idade”, que a cada peça, fotos, entre tantos apetrechos expostos, tecia comentários alusivos ao seu passado, quando como ferroviário, anos a fio operou no entroncamento férreo da estação de Entre Rios (hoje Três Rios) e orgulhava-se em ter sido um aplicado sinaleiro, cuja função na época era dotada de grande responsabilidade. Afinal, na ocasião a sinalização elétrica, controladas por cabines eram limitadas as capitais e não aos ramais interioranos.
Observando uma sinaleira ali exposta, não se conteve e a retirou da prateleira a mostrar que as por ele utilizadas eram daquele tipo, ou seja, quatro faces com vidros coloridos nas cores básicas: vermelho, verde, amarelo e branca, possuindo no interior um pavio, cuja chama definia a luminosidade da cor a ser usada, sendo manuseada por movimento giratório.
Numa ocasião, contou, um temporal desabava assustador sobre a cidade e lá foi ele ao seu posto junto a chave dos desvios, uns 300 m da estação. Só que àquela noite ardia em febre pela forte gripe a deixá-lo bem debilitado. Tremendo de frio mesmo protegido da chuva, com capa, guarda-chuva e sentado ao banco de madeira, aguardava instruções do agente da estação a sinalizá-lo, quando a luz branca se fez presente; era o sinal para abrir a linha ao cargueiro procedente de Juiz de Fora.
Erguendo-se, elevou a chama da sinaleira colocando a face vermelha à linha de apoio ao expresso que aguardava a passagem do cargueiro e a face verde a linha expressa livre, obviamente ao cargueiro. Ao caminhar a chave do desvio, tudo a sua volta rodou e trôpego deixou cair a sinaleira, cujo vidro vermelho se espatifou. Apavorado, saiu apressado tropeçando sobre o escorregadio pedregal e dormentes e a muito custo atingiu a plataforma, que ao tentar subir; desmaiou. Sorte que o agente viu e o amparou e saiu com a sua sinaleira até as chaves, sem saber se havia concluído a operação. Em menos de vinte minutos, aponta no final da reta o cargueiro iluminando leito pelo potente farol e logo a seguir cruza a estação. Já refeito do desmaio, atônito e confuso sentado ao banco, vê o expresso noturno procedente de Juiz de Fora a todo vapor passar pela linha expressa a seguir sua tranquila viagem à capital da República.
A partir daquele dia, a Central do Brasil passou adotar dois sinaleiros, no intuito de evitar alguma tragédia, tomando por base o ocorrido com seu Abílio – conforme se identificou – cujas opções trágicas foram: Se
tivesse desmaiado sobre os trilhos seria morto pelo cargueiro. Se tivesse aberto a linha de apoio, teria provocado uma dantesca tragédia pela colisão dos trens; cargueiro e o expresso de passageiros. O que só não ocorreu graças ao auxílio do agente, que em tempo evitou o desastre.
E assim, com o relato do Sr. Abílio, incorporamos mais um fato a nossa coletânea, a trazer ao leitor um episódio sobre os trens e suas ferrovias. Deixando o local, após recolocar à estante a sinaleira e utilizar-se do lenço sobre o rosto a enxugar as lágrimas que pela emoção se evidenciaram, lá se foi Sr. Abílio a curtir o singelo museu da anteriormente estação de Ibitinga, atual Soledade de Minas, famoso e importante entroncamento ferroviário, a atender três ramais
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