Otto, o "Dom Juan" Ariano
Otto, um cidadão de origem germânica, foi, segundo as histórias do Chefe de trem Miguel, um personagem que também veio se eternizar na figura de um caixeiro viajante a comercializar seus produtos como: óculos, armações e acessórios óticos, percorrendo pelos ramais ferroviários suas praças. Dada a frequência com que circulava pelas estações e como não bastasse o tipo físico desengonçado de que era dotado - caracterizado por uma obesidade onde a cabeça se sobressaia e pelo uso de grossas lentes sobre ombros estreitos e uma formação física assemelhando-se a um barril, apoiado sobre pernas articuladas em forma de tesoura - Otto tornou-se uma figura exótica extremamente conhecida especificamente nas estações ferroviárias. Independente dessas “qualidades” pessoais, era uma pessoa bem falante e comunicativa. Adorava prosear suas grandezas e vantagens, principalmente no tocante a casos e “affairs” amorosos, em que se considerava um Dom Juan, pois se dizia irresistível, pela virilidade ariana, diante das mulheres.
Certa feita, na estação de São Lourenço, Miguel preparava-se para partir quando, esbaforido, Otto, conduzindo seus mostruários e pastas, se achega pedindo ao chefe que não revelasse a ninguém que estava embarcando e, apressado, adentrou ao vagão.
Estranhando aquele procedimento, afinal Otto sempre gostava de uma prosa mesmo a estender um cumprimento, Miguel, intrigado, imaginou tratar-se de algo sério, atribuindo que o pobre estava sendo perseguindo por um grupo antinazista, já que a guerra estava em plena ebulição.
Com o expresso em movimento, o agente condutor se achega ao Chefe dizendo que, no último vagão, uma confusão estava formada. Deslocando-se apressado, Miguel chegou ao local. Uma mulher furiosa, de pé, aos brados, dirigindo-se a Otto, o desacatava acusando-o de trapaceiro e mau caráter, exigindo dele o cumprimento do trato, pois do contrário revelaria, em público, a sua fraqueza. Tentando acalmá-la, o alemão pediu que o acompanhasse à varanda para conversarem. A mulher recusou-se alegando que não cairia mais em sua lábia e queria, porque queria, o cumprimento do acordo que ele havia proposto.
Com a intervenção de Miguel a repreender a mulher, pois destemperada proferia palavras inconvenientes, Otto se aproveitou da suposta desatenção para escapulir, no que foi contido e advertido pelo Chefe. Nisso, a possessa mulher, tomada pela ira, abriu o verbo dizendo que Otto, em troca do pernoite, prometeu dois pares de óculos. O pior é que, por ter “falhado” na sua apregoada virilidade, em troca do silêncio prometeu que compraria roupas bonitas no armarinho do seu Nacif. Pela manhã, dizendo que iria à loja do turco, lá não compareceu e fugiu das obrigações para com a palavra dada, embarcando no expresso.
Aquela revelação soou bombástica, provocando nos passageiros que assistiam à confusão, efusivas gargalhadas. Miguel, procurando conter o riso, obrigou o alemão a cumprir o prometido e entregar à mulher os pares de óculos, sem as roupas prometidas, já que ela havia quebrado o trato com a revelação pública, tornando-o desnudo. Cabisbaixo e envergonhado, Otto abriu a pasta e retirou dois pares de óculos e os entregou a Miguel que, por sua vez, os repassou às mãos da enfurecida e indócil mulher, cuja reputação era bem conhecida pelo meio de vida que levava.
Depois daquele ocorrido, o ariano, não sei se por causa da guerra, nunca mais foi visto por aquelas bandas. Escafedeu-se deixando saudades entre os funcionários da ferrovia pelas “estórias” por ele narradas nas suas aventuras “donjuanescas”, apregoando sua potencialidade pelo “arianismo” de que era dotado. A partir de então, suas qualidades vieram a público através da brochura de uma história verdadeira. Mas que Otto deixou saudades, isso não se discute!
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