Todo bom pastor sabe apascentar seu rebanho
Primeiramente, não poderia deixar de agradecer ao leitor; João Ferreira de Caxambu, pelo email enviado, onde vem tecendo elogiosas deferências às nossas crônicas, não só “Na Fumaça do Trem” como nos “Esses Turistas Pitorescos”, as quais considera verdadeiro colírio aos olhos dos leitores, tanto no humor e na dramaticidade como na perene saudade a confortar aqueles, ele se incluindo, a reviver passados de memoráveis lembranças e recordações até então esquecidas às entranhas da alma e do fundo do coração.
Aproveitando este gancho de regozijo, o qual venho procurando proporcionar, prioritariamente aos amigos “bem vividos”, reporto-me a um episódio vivido e narrado por meu saudoso amigo, o monsenhor Barbosa, quando em uma de suas obrigações religiosas aos rincões fluminense, utilizando-se do velho trem, seguia com destino à cidade de Rio Preto, MG – divisa com Santa Isabel, RJ – no intuito de realizar o sacramento coletivo do batismo aos empregados e colonos de importante latifúndio.
Após deixar a estação de Rio das Flores, RJ, no expresso das 6:50h, acomodado à poltrona de madeira no vagão de 2ª classe, lá ia Barbosa curtindo pela janela as belas e admiráveis paisagens bucólicas daquele interior fluminense, onde fazendas se despontavam a proporcionar um visual deslumbrante entre intermináveis cafezais, laranjais, milharais, extensas matas e verdejantes pastos salpicados de gados, quando Barbosa é surpreendido pelo chefe do trem à sua procura, que visivelmente assustado mostrando-se pelo semblante uma preocupação excessiva, o solicita acompanhá-lo ao primeiro vagão, pois uma mulher em total estado de inconsciência, estrebuchava-se ao chão do corredor do carro, deixando aparecer ao canto da boca cerrada, espuma branca, depois de cair do assento e bater fortemente no braço da poltrona ao lado, a ponto de ferir-se e provocar sangramento. Segundo o agente, foi dito que a mulher estava possuída pelo demônio, onde urros se apresentavam assustadores a fazer com que os passageiros deixassem apressados o vagão de imediato, com medo do “demo”. Chamado pelo agente se dirigiu ao local e pode constatar “in loco” a ocorrência, que ao ver aquele quadro, atribuiu ser de fato que a pobre mulher estava possuída e que só um padre poderia expulsar a “coisa ruim” do seu corpo. Sabendo que Barbosa viajava no trem, não viu alternativa em recorrer sua ajuda.
Padre Barbosa, sobressaltado diante do relato do chefe a atribuir tamanho absurdo tal coisa, antes de responder e rebater aquela absurdez, é puxado pelo braço sendo erguido do assento com o auxílio do agente que acompanhava o seu superior e, mesmo contrariado deixa o vagão em direção ao carro 1 a atravessar toda a composição sob olhares aflitos dos passageiros, em que muitos faziam o Sinal da Cruz.
Adentrando ao vagão, espanta-se ao ver a mulher ao chão, jogada, sem a mínima proteção e ajuda de alguém a observar que não havia uma alma caridosa no local que a atendesse e amparasse na sua angustiante agonia no seu ataque de epilepsia. Indignado, acorreu a mulher, debruçando-se sobre seu corpo, a lhe confortar, erguendo sua cabeça, cujo ferimento à fronte ainda sangrava e, com certo esforço entreabriu seus lábios e dentes, introduzindo o seu crucifixo de madeira que trazia ao peito como parte do seu paramento e verificar que a língua não havia se enrolado ao palato. Solicitando do chefe, que à porta a tudo assistia, um pano úmido e um pouco de água, posicionou a cabeça da desafortunada sobre seu peito e ficou aguardando à sua recuperação e no retorno dos sentidos e da consciência, após ser atendida às solicitações.
Procedida a limpeza do ferimento, acariciá-la à face, cuja cor voltava a revigorar-se tendo os batimentos cardíacos no ritmo normal com a respiração tranquila, com ajuda do chefe e do agente, elevaram-na ao assento, onde abrindo os olhos, apoiada ao colo de padre Barbosa, fala: - O que houve padre?
Ao deixá-la sob os cuidados do agente, já recuperada, Barbosa ao penetrar no vagão 2, pede a todos, inclusive aos passageiros do vagão 1 que ali se encontravam, que retornassem aos seus lugares, antes de evidente, como homilia fosse, falar que aquela desafortunada mulher fora acometida de um ataque de epilepsia e para que os que desconheciam tal distúrbio, esclarecia que esta doença não é contagiosa e que sempre nos cabe ajudar quando presenciamos alguém acometido. Fica claro também, que não existe nenhuma relação com o “ocultismo” a qualificar como possuída por satanás.
Desejando a todos boa viagem, Barbosa retirou-se, levando consigo uma certeza: Um dia, a ciência apresentará um medicamento que trará a cura desse mau tão chocante aos nossos olhos, a ponto de ser visto como coisas do demônio. Durma-se com um barulho desses...
Obs: Hoje a ciência já possui um medicamento; Gardenal , que previne ao ataque deste mau, embora a sua cura definitiva ainda carece de existir.
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