Um amor atípico e “suigenere”
Evandro, um chefe de trens que operou por vários anos na ex-ferrovia Leopoldina Raillway do Rio de Janeiro, também tem seu lugar como colaborador nas histórias sobre trens, as quais vieram engrandecer sobremaneira nossa coletânea de episódios.
Entre muitos fatos, destacamos um que por pouco não se transformou em tragédia, tal a estupidez no seu desenrolar.
A estação da Leopoldina possuía no seu quadro funcional, no que se referia a carregadores, uma lista bem extensa. Entre eles, havia um cidadão apelidado de Brucutu - por ser dotado de força física hercúlea fora do comum, talvez decorrente do corpo avantajado que possuía – de origem lusitana, cujo crachá ao peito tinha o número 22, a destacar-se pela aparência bucólica no seu jeito bronco de ser.
Certa vez, Brucutu, servindo a um casal de idosos, que por sinal chegou em cima da hora da partida do expresso campista, após colocar as malas no bagageiro superior do vagão, ao afastar-se, é chamado pela senhora à janela.
Retornando, lhe é solicitado ajudar na retirada de uma das malas, o que fez entrando no vagão. Devido à alça da mala ter enganchado no bagageiro, houve certa demora em removê-la. Nesse tempo perdido soou o silvo à plataforma, liberando a partida e com o imediato apito do trem. O comboio movimentou-se. Brucutu, assustando-se, desce a mala e, apressado, chega à escada. Descendo os degraus, mesmo com a velocidade do comboio crescendo, preparou-se para deixar o vagão, quando a plataforma acabou. Voltando ao interior do vagão, depara-se com o condutor iniciando a perfuração dos bilhetes e que se espanta com a presença de Brucutu. Espavorido, passa pelo condutor a dizer que iria à escada do último carro no intuito de deixar o trem, já que era o local mais propício a saltar do trem em movimento.
Aproximando-se da passagem de nível em Mangueira -- segundo ordens expressas da ferrovia, a composição tinha de apitar continuadamente a reduzir a velocidade, vez ser local de inúmeros acidentes – sabedor da instrução, preparou-se a saltar. Ao iniciar o cruzamento, Brucutu estica uma das pernas a tocá-la ao chão e salta. Com violento tranco e impulso, sai tropeçando nas pernas e, cambaleante, vai perdendo as resistências; vergando-se à frente em passos desgovernados e sem coordenação, segue à direção dos transeuntes ali postados aguardando a travessia, no que óbvio se afastam, e foi de encontro a uma vaca leiteira (pequeno caminhão, na época utilizada na venda de leite em domicílio) onde se chocou fortemente.
À janela do vagão, o condutor, aflito e apreensivo, observava o drama de Brucutu. Logo a seguir, aparvalhado, foi comunicar a Evandro o ocorrido, a fazer constar no livro de bordo o grave problema. Dois dias depois, Evandro encontra-se com Brucutu que, cheio de pequenos hematomas, injuriado, fulo da vida, reclama que o dono da vaca leiteira notificou à rede sobre os prejuízos por amassar a porta toda do caminhão. Mas o pior, que ao ver no crachá o número 22 (touro no popular jogo do bicho), disse que fora o culpado por tentar “cruzar” com sua vaca leiteira. -- Ora, pois pois, o culpado foi o casal e não eu! Touro é o avô dele! Que teve sua mãe sim, ser uma vaca, ao ver estava caindo e nada fez para evitar o encontro com sua vaca leiteira... Miguel, você acha que tenho que pagar o dito prejuízo no caminhão?
Por muitos anos, Brucutu, teve que aturar dos colegas muitas gozações por aquele ocorrido à passagem de nível da estação de Mangueira...
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