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Quinta-feira, 15 de Maio de 2025
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Um artista chamado Abdon

Uma pintura o fez desaparecer...

José Luiz Ayres
Por José Luiz Ayres
Um artista chamado Abdon
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Um artista chamado Abdon

 

            Entre a gama de anônimas pessoas que tiveram parte da sua vida ligada às ferrovias, a ter nas plataformas das estações e nos trens o seu dia-a-dia pela sobrevivência ter na informalidade do trabalho, a expor e oferecer seus produtos e serviços aos que das estações se utilizavam nos embarques e desembarques, não poderia passar em branco um personagem, Sr. Abdon, cuja profissão de caixeiro viajante na ingrata tarefa de vendedor de livros – ingrata por ser, como hoje, de difícil venda, ainda mais em décadas passadas – e, que por ter o dom artístico do desenho, complementava seu sustento se oferecendo a retratar pessoas em altos-retratos sobre crayon ou em tela sobre óleo. Expondo alguns de seus trabalhos às plataformas, ali permanecia à espera de alguém interessado, ou ser procurado na possibilidade à reprodução de retratos, cuja qualidade das fotos apresentadas, em preto e branco, se faziam críticas em todos os sentidos. Afinal, fotografia era uma arte recém-surgida e havia óbvio, muita carência de profissionais com alguma técnica.

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            Anos se passaram, quando meu pai Luiz numa das suas viagens em visita aos fornecedores de laticínios ao seu negócio no Rio de Janeiro, se surpreendeu ao encontrar à plataforma da estação  de Cruzeiro, SP, o colega Abdon exercendo suas atividades artísticas, vez que segundo revelou, deixara a laboriosa profissão de caixeiro viajante, principalmente ligada a livros, pois além de sacrificante lhe trouxe enormes prejuízos, embora tenha sido obrigado por circunstâncias, a quase abandonar a arte da pintura, onde se viu a deixar as cidades que funcionou por longo período.

            O motivo desse desaparecimento repentino, deveu-se a um contratempo, talvez por ingenuidade, ao entregar uma obra onde pintou o autorretrato, em corpo inteiro, de uma mulher a mando de um abastado e famoso latifundiário e político, o qual fornecendo uma foto, em que a ser reproduzida se representava vestida, era expô-la despida em pose bem ousada, tendo um sinal de nascença à coxa direita.

Claro que a pintura levou algum tempo a ser concluída. Ao terminá-la, o tal mandante ao comparecer no improvisado atelier de Abdon, aos fundos da estação de Itajubá, onde guardava seu material artístico, com permissão do chefe, deslumbrando-se diante da obra, teceu efusivos elogios pela beleza e sensibilidade do artista, cujo talento nada ficava a dever de qualquer renascentista ou contemporâneo. Após efetuar o pagamento, pedindo total sigilo, o solicitou entregar em determinada cidade no endereço apresentado. Partindo no expresso rumo ao destino, lá se foi Abdon com sua obra bem embalada e protegida no vagão do carro-correio.

            Chegando à cidade indicada, Ouro Fino, deixando o trem, locando uma charrete logo chegou ao endereço do destinatário, onde, após bater ao portão, foi atendido por uma serviçal a dizer que a pessoa procurada havia se ausentado momentaneamente e seu marido só mais tarde, pois estava na  lida da fazenda. Estranhando tal informação, resolveu deixar o quadro e mesmo com a pulga atrás da orelha, regressou à estação na charrete que o esperou, já que tencionava aproveitar sua passagem por Ouro Fino para expor suas obras e tentar alguma reprodução fotográfica.

            Instalado à plataforma, observa que um grupo de quatro pessoas se chega um tanto apressado, em cujas cinturas, coldres mostravam luzentes revolveres, dirigindo-se à administração. De repente, um agente ferroviário espavorido e assustado, se chega a Abdon e pede para se escapulir ou se esconder rápido, porque aqueles homens chegados o procuravam, pois o fazendeiro, o patrão, queria que levassem o tal pintor que havia estado à sua casa pela manhã, no intuito de se explicar como havia conseguido pintar aquele quadro e obviamente a mando de quem?

            Juntando suas tralhas rapidamente com o auxílio do agente, ocultou-se no interior de um vagão de carga e lá ficou até ser avisado que os homens haviam deixado  a estação   e   que voltariam   mais tarde, mas que passariam a procurá-lo pela cidade. Orientando-o, como alternativa, a pegar o trem das 15:45 hs até Águas de Lindoia, SP, lá foi o pobre Abdon, até então inocente, após saber que sua obra fora o “pivô” da encrenca, depois do fazendeiro tomar conhecimento de tamanho ultraje, ter a negativa de sua mulher de nunca haver posado a algum pintor e se sentir difamada injustamente, segundo lhe passou o agente, ao embarcar ocultando-se no reservado(toalhete) ao vagão da 2ª classe.

            Tremendo como vara verde, Abdon assustado, pôs-se a lamentar, que fora vítima de uma trama ardilosa de um inescrupuloso adversário político, que o usou para vingar-se de algum desafeto ou vingança. A partir daquele dia, Abdon, evitou percorrer o sul de Minas, no que lhe causou muita tristeza e imenso prejuízo, pois o obrigou a se enveredar por outras bandas à procura de trabalho, onde sua arte pudesse ser novamente reconhecida e passar a residir em Cruzeiro, após viver como um nômade por bom tempo.

            Neste reencontro há mais de 10 anos sem ter qualquer notícia do ex-colega, Luiz penalizado pelo amigo e artista, o deixou um pequeno retrato de sua mãe, Vó Hermínia, para retratá-la do busto acima. E que o avisasse por estar pronto a remetê-lo via ferrovia ao Rio de Janeiro pelo Correios & Telégrafos. O que se verificou 25 dias depois.

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