Um pernoite onde o medo se instalou...
Àquela tarde, onde mais um dia de muita chuva assolava Petrópolis e toda região serrana fluminense, partiu da estação o expresso, cujo comboio compunha-se de cinco vagões a descer os 800m de altura de serra, em longo percurso até a Capital Federal. Óbvio que toda a atenção do maquinista se fazia necessária; tanto na velocidade como no cuidado em relação ao leito, vez que eram passíveis termos muitas surpresas na presença de: pedras, árvores e outros detritos sobre os trilhos. Afinal as chuvas não só de boa intensidade e intermitentes, tornam o solo encharcado e preocupante quanto ao peso das composições.
De repente ao sair de uma curva, sente-se um violento tranco seguido de abrupta e continuada frenagem a causar entre os passageiros do nosso vagão verdadeiro reboliço, com alguns sendo lançados fortes às costas das poltronas à frente e a ter em outros inclusive sobre suas cabeças; malas, embrulhos, sacolas caídos do bagageiro, onde gritos misturavam-se ao alarido verificado, em que todos, sem exceção, tentavam se proteger daquele desesperado e desconhecido momento aterrorizante, provavelmente, esperando pelo pior. Felizmente entre solavancos, trancos incessantes, quedas e desespero total, o comboio parou. Após alguns segundos, aos poucos a situação foi se normalizando e pudemos pelas janelas observar à frente da locomotiva a copa bem fechada de frondosa árvore pelo imenso volume da ramagem a obstruir os trilhos.
Deixando o vagão a caminhar sobre lama e água à margem do leito, alguns passageiros e agentes do trem chegaram ao local; há menos de 10m, onde a locomotiva estancou e vimos aquela massa de folhas de uma velha paineira, caracterizada pela circunferência do seu tronco , que arrastou no percurso várias espécies de vegetações e outras árvores como: Ypes, espatódias, quaresmeiras entre o entulho lamacento de pedras e barro.
E agora, como resolver o drama? Tentar com ajuda de todos desobstruírem a linha, para que se conseguisse uma passagem? Já que se aguardasse pelo socorro, seriamos obrigados a pernoitar na mata e correr o risco em sermos atingidos por outra composição de carga noturna, tendo em vista que o maquinista desconhecia se haveria trânsito à noite e só depois de 2 horas, no mínimo, a estação de Xerém notificaria a Petrópolis da não chegada do expresso. Além do mais seria agravada esta comunicação, pela linha interrompida do telégrafo que fora atingida pelo deslizamento. Portanto, só haveria uma solução; ou seja, aguardarmos o socorro e orarmos para que não houvesse tráfego de Petrópolis.
Debaixo de chuva e frio cortante, envolvidos na total escuridão; aliviada pelas lanternas de carbureto, enfrentando o anoitecer em plena serra ao som dos notívagos animais e insetos a nos assustar em a cada instante. Quanto ao pavor de uma colisão, o maquinista, um agente e o chefe do trem, subiram a linha se posicionando numa distância de mais ou menos 200m do último vagão, onde munidos de 2 lampiões e uma improvisada fogueira que conseguiram fazer arder sob pedras agrupadas e lenha seca da locomotiva permaneceriam de guarda. O foguista se manteria na máquina no intuito de alimentar a caldeira e fazer por duas vezes soar o apito avisando sobre o socorro quando chegasse. Porém, se houvesse novo deslizamento apitaria insistentemente.
Já passava de 1 hora da manhã, quando finalmente soaram os 2 apitos. Apagando a fogueira e com auxilio dos lampiões, atingiram o expresso, onde uma equipe, do lado contrário a interrupção com ativo e exaustivo trabalho dava início a desobstrução do local com todo tipo de equipamento. Por volta de 4 horas da manhã, todos a bordo e era dado o início da viagem interrompida por 12 horas, a cumprir o seu destino, tendo à frente do expresso em distancia regular; ou seja, mais de 500m, a locomotiva e dois vagões da manutenção que operaram no apoio da obstrução.
Este episódio nos foi narrado pelo senhor Euclídes, um “bem vivido” cidadão, que tive a oportunidade em conhecê-lo por ocasião de uma visita que efetuávamos ao Museu do Trem no Rio de Janeiro, que como eu também é um entre milhares de aficionados por ferrovias e “apaixonado” por histórias concernentes aos trens Marias Fumaça. Segundo revelou, este ocorrido ele esteve presente, quando bem jovem deixava Petrópolis, em 1943, com destino ao colégio Pedro II onde estudava no ex-Distrito Federal cursando o 1º ginasial na ocasião.
Assim, Sr. Euclídes nos presenteou com seu episódio, o qual o temos incluso na nossa coletânea a fazer parte como tantos outros, desse cabedal de infindáveis histórias sobre a lendária Maria-Fumaça! E seus transportes de cargas e passageiros em profusão...Naquela oportunidade era o meio de transporte mais utilizado entre nós brasileiros...
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