Víboras fazem vibrar o destino!
Recebida a mensagem telegráfica da estação férrea de Barra do Pirai, RJ, confirmando à partida do cargueiro às 8:30 hs daquela manhã, cujo comboio tracionava 7 vagões, seu Borges da cidade de Conservatória, chefe da estação, solicita do seu agente Felizardo, conhecido como moleque Saci, -- o herói de Conservatória pelo feito praticado a evitar uma grande tragédia , mesmo deficiente que efetuasse a inspeção de rotina à linha expressa, tendo em vista que o cargueiro não faria parada à estação. Com as instruções assimiladas, desceu aos trilhos e lá foi Saci apoiado à sua bengala caminhando com a perna de pau já adaptada ao seu cotidiano a proceder a vistoria no leito em questão, a fechar a linha 1 e abrir a linha expressa, trocar virando manualmente o sinalizador indicativo à passagem livre do cargueiro, interromper a circulação de pedestre sobre a linha, enfim agir como manda os conformes zelando pela ferrovia e segurança.
De retorno à estação, acessando a plataforma, encontra-se com seu Borges dando a tarefa como concluída e, acompanhado do chefe após agraciado com um chocolate quente para amenizar o frio da manhã, se põem à ponta da plataforma a conversar. Passado algum tempo, interrompendo a prosa, seu Borges aponta linha expressa e observa algo sobre os luzentes trilhos, que por sua vez movia-se de quando em vez.
Saci que também se fixa no tal ponto indicado, apertando os olhos, vira-se a dizer que se tratava de uma cobra e que pelo brilho refletido parecia uma jararaca. Pulando à linha auxiliado na bengala, sai a caminhar à direção do possível réptil, quando se ouviu ao longe o apito do cargueiro que logo estaria cruzando a estação. Coisa de no máximo 5 minutos. Sr Borges, atento, grita a Saci que o trem estava próximo e não se arriscasse e deixasse a cobra p’ra lá a evitar perder outra perna. Agitando o braço, seguiu já quase a correr saltitando à margem da via expressa e atinge ao local, onde sobre os trilhos posicionado, o belo espécime quarava ao sol. Com a bengala, entre os trilhos, procura enxotar a víbora, que se enroscando ao invés de fugir, tenta atacá-lo se preparando ao bote. Saci, arisco e atento ao animal, aguardando sua atitude de defesa, estica a bengala a fustigá-lo, quando deixando a curva após a saída do túnel e penetrar à reta que leva à estação; de quase 500m, aponta o cargueiro que avança celeremente a apitar insistente. Saci ágil e rápido como o bote de cobra, enfim joga o animal fora dos trilhos. Mas ao tentar pular, vê que sua perna de pau se enganchou entre o dormente e o trilho. Sem perda de tempo a ouvir cada vez mais próximo o som ruidoso da locomotiva, desprende a fivela da tira que segurava a perna de pau e lança-se à margem do leito no exato instante que a máquina passa ao lado estraçalhando a sua prótese rudimentar chamada de perna de pau. Ao chão, deitado, vê passar a composição desfilando os pesados vagões de carga.
Com ajuda da bengala, consegue se erguer e ver o que sobrou da perna de pau, que em meio a bitola, fragmentada jaziam os pedaços de madeiras daquela que por vários anos fora sua companheira inseparável. Apoiando-se agora à bengala, ergue a cabeça a olhar à reta e ainda vê quase ao final o último vagão desaparecendo seguido de um longo apito da Maria-fumaça.
Caminhando com certa dificuldade, é amparado por seu Borges que a tudo assistiu e que veio ao encalço a ajudá-lo. Só que devido ao desesperador momento vivido, num desabafo e ainda trêmulo como uma vara verde tomado por uma palidez excessiva; a compará-lo como uma vela, se expressou bastante nervoso: -- O que deu em você Saci? Queria morrer? Queria perder a outra perna por uma cobra novamente? Porque não deixou que o trem a esmagasse?
Saci, sorrindo, da uma pausa à caminhada, olha seu Borges e fala: -- Chefe, só tenho a agradecer a Deus por colocar aquela cobra no meu caminho, pois devo a ela minha vida sobre todos os aspectos.
Borges um tanto perplexo, mostrando-se confuso, respondeu que não entendia o porquê. Afinal havia perdido uma perna por uma cobra. Saci olhando-o, com um semblante a transmitir paz, diz: -- Mas chefe, já pensou se não fosse a perna de pau o que seria de mim? Será que conseguiria me desvencilhar dos trilhos em tempo?
-- Ora bolas, retrucou Borge: Isso não faz sentido, já que com as pernas talvez não fosse como é; funcionário da ferrovia e óbvio que não passaria pelo susto que agora acabou de passar.
Sorrindo, Saci treplicou: -- Por isso é que eu digo; meu destino a ser cumprido é este, onde tive uma cobra em meu caminho e hoje Deus me deu o direito em retribuir a gratidão evitando que fosse morta pelas rodas de um trem, mesmo correndo risco que corri. Prova é que fui salvo por ter uma perna de pau, “presenteada” por uma serpente que o “ofertou” por apenas ter pisado nela inadvertidamente e fui mordido pela sua natural defesa. Com isso se fez o meu destino, ou seja; ser um agente ferroviário, o qual mais uma vez agradeço ao amigo e chefe Broges pelo apoio e incentivo a continuar seguindo o meu destino. Foram anos de amizade e companheirismo...
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