Vontades e desejos da Prof.ª Dalila
Encontrava-me à estação férrea de São Lourenço a ciceronear um amigo que nos visitava, quando um casal de “bem vividos”, daqueles cuja memória traz infindáveis bagagens de saudosas recordações, se chega à plataforma e fica como extasiado a admirar e contemplar a composição ferroviária ali estacionada, certamente a trazer em devaneios belos e memoráveis lembranças e passagens do passado.
Caminhando na direção da locomotiva, que silenciosa, fria e imponente se sobressaia em meio ao cenário, se detém e por instantes permanece a olhá-la, talvez a sentir que aquilo não se tratava de um sonho ou miragem.
Retornando, após tempo de admiração, pondo-se a caminhar, se chega a mim que o observava e indaga se poderia fotografá-los juntos ao trem. Óbvio que me dispus a fazer. Entregando-me a câmera, coloquei-me à disposição e lá fomos nós rumo a Maria-Fumaça 327 onde os retratei em vários ângulos. Nesta época,, me parecia que as parafernálias eletrônicas como; Celulares, câmeras fotográficas modernas, filmadoras, Tvs de tela plana ainda engatinhavam e os filmes tinham seus valores de importância nos registros fotográficos, pois as revelações dos instantâneos já eram revelados no mesmo dia em apenas algumas horas, o que convenhamos era de fato uma grande façanha.
De repente a senhora dirigindo-se ao marido, sugere que fossem fotografados no acesso de um dos vagões como estivessem a embarcar, pois seria um flagrante que sempre desejou possuir, principalmente por ter sido o trem um marco em sua vida durante a juventude, quando dele se utilizou diariamente, tanto como estudante e posteriormente como professora. Mas por ser na época fotografia coisa para endinheirado, sua vontade foi reprimida não passando de um sonho e os registros ilustrativos de sua história ficaram apenas à memória.
Flagrantes foram tomados subindo e descendo do vagão em poses diversas: nas janelas, escadas, sentada às poltronas, enfim acatamos os desejos da Prof.ª. Dalila. Por fim abraçando-se ao marido, fez questão de posar à varanda do último vagão acionando a mão como adeus fosse numa partida, reproduzindo a cena de quando deixava sua cidade em lua-de-mel há 52 anos, indo viver e lecionar em Belo Horizonte após 24 anos de Soledade de Minas.
Emocionado, o casal agradecendo a gentileza e a paciência, despedindo-se deixou a estação levando consigo toda felicidade do mundo e deixando, entretanto uma lição de amor e sentimento em memória de um passado a reconhecer o quanto se deve preservá-lo, pois sempre estará vivo à mente fazendo parte da história de nossas vidas!
Bendita hora que Patrick Dollinger em 1977 fundou a ABPF (Associação Brasileira de Preservação Ferroviária), pois através desta iniciativa recreio-cultural, tem sido possível resgatarmos histórias que se perderam esquecidas pelo tempo e hoje integram-se ao maravilhoso acervo histórico das ferrovias graças ao Trem das Águas, da Serra em Passa Quatro e de outros tantos que passaram a circular como turismo pelo Brasil. No que me propus a catalogá-las obtendo em encontros como agora exponho, em que pessoas não só vivenciaram e conviveram e que hoje fazem reviver suas lembranças, que se apagam da memória à medida que os anos vão passando nos estertores de suas vidas. E também aqueles que tiveram seus relatos narrados de amigos e parentes, que se foram a deixar suas passagens e episódios, cujo trem a vapor foi a personagem principal marcados perenes à história.
- Este relato nos foi passado pelo Casal Serafim e Dalila quando em visita a São Lourenço em comemoração aos 52 anos de casados.
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