Certas ocasiões nos encontrávamos em Serra Negra, curtindo o prazer da bela região montanhosa daquele interior paulista, quando apreciávamos o movimento urbano a percorrer o comércio num todo e ao entrarmos numa das lojas de artesanatos no intuito de adquirir um objeto como souvenir que marcasse a nossa passagem na cidade, a senhora proprietária por sinal bem simpática, chegou-se a nós a nos cumprimentar e colocou-se à disposição a nos orientar e mostrar as novidades, a qual dizia ser a artesã da quase totalidade das peças expostas, principalmente as bonecas de pano, as quais confeccionava há mais de 50 anos, cujo aprendizado deveu-se pelo abençoado acaso.
Contou-nos Dona Zilda, como se disse chamar, que tudo aconteceu quando criança na sua cidade de Ouro Fino, MG, teve sua boneca danificada por um cão, depois de mais de seis anos tê-la bem cuidada junto aos seus poucos brinquedos. Afinal seus pais pobres lavradores não tinham condições em comprá-los. Aquela boneca de pano a qual “batizou” de Maria do Céu, nome que também é dado à loja, porque segundo revelou havia caído do céu. Então se pôs a narrar sua história.
“Era uma véspera de Natal, e, eu brincava nos fundos do quintal, onde uma cerca de bambus limitava o terreno com a linha do trem”. Toda vez que vinha um trem, eu corria para apreciar através de uma falha na cerca. Era bonito vê-lo barulhento soltando fumaça por todo lado e apitar perto de minha casa, mesmo me sentindo com medo. Porém, naquele dia mamãe pediu que eu fosse ver o trem, porque achava que Papai Noel estaria nele. Aos seis anos de idade, aquilo permaneceu à mente a encher-me de ansiedade em ver o bom velhinho. Foi quando ouvi ao longe os apitos e corri à cerca me posicionando com parte do corpo para fora. Ansiosa, com o coração aos pulos, tomada pela infantil emoção e lógico o medo do trem que chegava soltando muita fumaça e que barulhento passa por mim apitando. Retraída pelo instinto, mas ávida por ver o Papai Noel, de repente próximo a mim bate contra a cerca um embrulho. Com a passagem do trem em meio a fumaça que se dissipava, consegui ver à varanda do último vagão o tão esperado velhinho na sua roupa vermelha a acenar-me. Maravilhada, sem ação, inerte por segundos, ultrapassei a cerca e apanhei ao chão o embrulho. Ao rasgar o papel que o envolvia; a grande surpresa! Uma linda boneca de pano vestida de azul com rendas, tendo à cabeça um chapéu deixando cair duas trancinhas negras em cujas pontas eram adornadas por laçarotes de fitas.
Retornando ao quintal, corri para casa tomada por uma alegria incontida a chamar por mamãe, que aparecendo à porta da cozinha me abraça e, eu a dizer que Papai Noel veio do céu naquele trem trazendo o meu presente! Por isso dei o nome de Maria do Céu pela Maria Fumaça e do céu por ela ter caído do céu.
Aquela boneca, Maria do Céu, foi tudo pra mim, me acompanhando por seis anos. A tratava como filha fosse. Estava sempre presente na minha infância. Mas ao ser trucidada pelo cão, se abateu sobre mim uma imensa tristeza a deixar-me totalmente desiludida com tudo, inclusive tirando à vontade e o ímpeto de estudar. Até que mamãe vendo meu desanimo, resolveu baseado no que sobrou da boneca, recuperá-la praticamente fazendo uma nova. Eu que acompanhava todo o trabalho, como uma ajudante aprendeu a costurar e acabei confeccionando novas bonecas com retalhos de pano que conseguia junto às lojas e costureiras. Já com algumas prontas, passei a vendê-las na praça e na estação ferroviária aos passageiros que ali transitavam durante alguns anos até a ferrovia ser desativada.
Hoje, aqui em Serra Negra sou estabelecida há quinze anos com minha loja Maria do Céu. Bendito a Maria Fumaça e a quem jogou Maria do Céu daquele trem! Meu eterno agradecimento e gratidão. E assim D. Zilda nos narrou uma bela e comovente história, que hoje se une a tantas outras conseguidas através de nossas andanças por este Brasil, cujo objetivo é brindar ao leitor com episódios, que marcaram o que foram as ferrovias enquanto aqui permaneceram, levando o progresso a esta gente interiorana maravilhosa. Obrigado dona Zilda por nos oferecer tão belo subsídio histórico.
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